A redação de tipologia dissertativo-argumentativa: texto superficial?


Texto de Kerlly Karine P. Herênio


A redação de tipologia dissertativo-argumentativa é tratada como um texto convencional, tradicional, por ter sido extremamente difundido devido à Portaria Ministerial nº 391, ainda por ser moldado em regras. Luna (2004) diz que é uma situação em que o aluno observa um tema, e deve obrigatoriamente escrever com originalidade. Guedes (2009, p.89) observa que essa realidade teve influência ainda na década de 50, pois

o uso do termo redação intensificou-se a partir do desenvolvimentismo dos anos 1950, perpassa todo o período do chamado milagre econômico e começa a findar com a crise econômica da segunda metade dos anos 1970. Redação expressa a eficiência tecnocrática dos engenheiros, economistas, administradores, politicólogos civis e militares que foram substituindo os bacharéis no comando dos negócios, eficiência que acabou por se tornar o emblema da sociedade brasileira nesse período.

Eficiência é a palavra que culminou para o conceito do texto de tipologia dissertativo-argumentativa, contudo, o que foi proliferado ao ensino de produção de texto, tratou-se, na verdade, de uma “deficiência” e não eficiência, pois “a escola (...) valoriza a cultura das classes dominantes (...)[o comportamento do aluno] é avaliado em relação a um “modelo”, que é o comportamento das  classes dominantes (SOARES, 2000, p.15).
O dito ensino tradicional de redação nas aulas de Língua Portuguesa, que é impreterivelmente norteado pelas tipologias narrativas, descritivas e dissertativas, é discutido desde os anos 1980, conforme se observa em Lopes-Rossi (2002, p.19), a qual afirma que “as condições de produção de redação na escola são consideradas inadequadas”, pois trazem “artificialidade das situações de redação”; “descaracterização do aluno como sujeito no uso da linguagem”; “artificialidades dos temas propostos” e como consequência pouco interesse por parte dos alunos; “falta de objetivos de escrita por parte do aluno”; “falta de um real leitor”.
Bressanin (2006, p.55) diz que a redação reproduz uma situação superficial em que o discente sente a obrigação de produzir um texto sobre um assunto o qual nunca havia pensado, além disso, muitas vezes, desconsidera o destinatário de sua redação e acaba escrevendo para si mesmo. Desconsidera-se aí a funcionalidade do texto, a característica subjetiva do locutor, do interlocutor, e a relação com o mundo.
A argumentação neste tipo de tipologia apresenta apenas a tentativa de organização do autor para produzir um texto com um pensamento lógico, ter um ponto de vista e comprová-lo sob o tema que é proposto para a produção. Pilar (2002, p.162) diz que o aluno deve “comprovar sua competência discursiva”, adequando-se ao contexto da prova. Preocupando-se não apenas com a correção gramatical, mas também com o desenvolvimento do tema, léxico adequado e uma tese comprovada e sustentada.
Geraldi (1997, p.20) reflete que o processo de ensinar numa concepção tradicional de ensino é centrado na transmissão de informações, conhecimentos, atividade realizada pelo docente, e, de outro lado, o aluno, o receptáculo. Na produção escrita, esse tipo de atitude, tão comum na aula de produção textual, invoca uma argumentação baseada na artificialidade. Ao contrário, acreditamos na produção de texto “como uma devolução da palavra ao sujeito (...) e na possibilidade de recuperar na história contida e não contada, elementos indicativos do novo (...) e de retomar o vivido” (GERALDI, 1997, p.20).
Assim, o texto dissertativo-argumentativo, além de ser uma constante no ensino,  é creditado que ao final de onze anos de percurso de escolarização, o aluno se aproprie do conhecimento formal (Cf. CASTALDO e COLELLO, 2014). Contudo, não é bem o que acontece, tantos alunos ficam com medo de escrever por temerem os erros ortográficos, ou por terem dificuldade de dizer por escrito o que são aptos de dizerem oralmente (FERREIRO, 1993). Lopes-Rossi (2002, p. 20) afirma que o “texto produzido na escola (a redação) não é um texto autêntico, não existe na nossa vida social, não tem finalidade a não ser cumprir uma exigência do professor ou do programa de ensino”.
O próprio vestibular é culpado na artificialidade da produção escrita do texto dissertativo-argumentativo, pois descaracteriza o contexto em que o sujeito/aluno está inserido, não aborda uma adequada condição de produção, não inserindo o texto em um contexto social. Ao contrário, obriga o aluno a se inserir na “eficiência” de produzir um texto adequado à situação artificial/superficial apenas de uma prova.
Marinheiro e Borges (2011, p. 136) corroboram ao afirmar que “o que ocorre é apenas uma tentativa para cumprir a tarefa, de tal forma que, muitas vezes, o aluno, por não conseguir posicionar-se como autor, não consegue sustentar seu argumento”. Afirmam ainda que “quando o aluno escreve um texto não partilhado de suas histórias (...) esse texto permanece no eixo previsível, alguns motivos para isso acontecer é por o sujeito a partilhar de uma ideologia dominante que escreve conforme o senso comum”. Observa-se, portanto, o texto dissertativo-argumentativo é como um simples exercício, fora do escopo social, um texto estereotipado.
Mas o texto dissertativo-argumentativo é sempre superficial? Na escola, várias situações de produções são superficiais, pois descaracteriza o aluno como sujeito da linguagem – o discente apenas reproduz o discurso escolar, ou o que fica na memória como sendo o que a escola ou o próprio vestibular dá importância, privilegia. (Cf. LOPES-ROSSI, 2002). Superficial por que faz com que o aluno pense “eu devo usar este termo” ou “esta palavra é proibida”, etc. Além disso, muitos temas que foram utilizados não pertenciam ao contexto do aluno. Pêcheux (2008) já afirmava que muitas vezes ocorrem banalizações de conceitos e direcionamento para satisfação das urgências pedagógicas do mercado.
Hoje, já se percebe um avanço no que diz respeito a um melhor trato do texto dissertativo em sala de aula, ressaltando-se as esferas sociais e finalidades específicas do texto. Concordamos que, deve-se, pois,


considerar as condições de produção (...), apostar na equivocidade da linguagem (...), na possibilidade de sempre ter sentidos deslizantes, à deriva, opacos, uma vez que são frutos do movimento da língua na história, e não do “encaixe” de um certo conteúdo em uma forma fixa. (BRITO, 2012, p. 180).

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