Michel Pêcheux e Foucault na Redação
Acredito que muitos alunos nunca ouviram falar
deste grande estudioso do discurso e muito menos aplicar sua teoria à redação.
Como professora de redação, costumo pensar que antes de tudo, considero-me uma
analista do discurso, desse modo, minhas aulas de produção textual tornam-se
mais ricas, pois há dizeres que mesmo negados, já foram ditos por outros, em
uma reprodução.
A teoria do “Assujeitamento” de Michel Pêcheux, é
extremamente rica e possível de ser utilizada em um grande número de temáticas.
Outrossim, por experiência própria em correções, percebo que o repertório
sociocultural ainda é uma das grandes dificuldades do aluno.
Vejamos, então, um pouco dessa teoria.
Primeiro a de se pensar no homem não como um ser
físico, mas um ser abstrato que carrega ideologias, como uma reprodução. Olhem
o que eu disse em um de meus trabalhos sobre isso:
"Todo discurso que produzimos foram
provenientes de discursos-outros, de condições de produção anteriores, assim,
eu-sujeito de minha história, de minha ideologia, diante de meu lugar social,
pertenço não ao meu dizer, mas àquilo que já foi proferido, aos já-ditos, aos
pré-construídos, discursos transversos. Quando o sujeito aponta para outros
discursos, há uma sustentação do sentido, já que o completa em
significação."
Veja da seguinte forma, quando digo que
"fulana tem um cabelo ruim", reproduzo um discurso proferido desde o
modo de produção escravista em que tudo que era oriundo das características do
negro era ruim, entendeu?
Assim, quando há uma temática que fala sobre
"favelas, como sendo o quintal da zona urbana", muitos poderiam
atrelar essa localidade à criminalidade. Conforme falo para meus alunos, o
próprio surgimento das favelas e o contexto socio-histórico de sua origem fazem
com que reproduzamos um pré-conceito sobre as favelas. Estas surgiram depois da
Lei Áurea em que muitos escravos e imigrantes europeus não tinham condições
financeiras para morarem na zona urbana do Rio de Janeiro, e suas condições
sociais os "empurraram" para os morros onde ergueram suas barracas e
assim foram surgindo as favelas.
Perceba, desde essa época, reproduzimos uma
ideologia de que as favelas são locais de gente ruim, criminalidade e não
percebemos que, muitos de nós apenas reproduzimos esse preconceito, às vezes
sem nem mesmo percebermos. Isso é o "assujeitamento" a que Pêcheux se
refere.
É o que digo abaixo:
"sujeito proferindo seus discursos como se
tudo o que falasse fosse da sua própria vontade e não da implicação de uma
ideologia agindo sobre o seu dizer."
Texto de Drª Kerlly Herênio.
ORIGEM
Poitiers
(França) (1926-1984)
CORRENTE
FILOSÓFICA
Pós-Modernismo
PRINCIPAIS
OBRAS
História
da Loucura; O Nascimento da Clínica; As Palavras e as Coisas; Vigiar e Punir; História da Sexualidade
FRASE
SÍNTESE
“Nossa
sociedade não é de espetáculos, mas de vigilância.”
BIOGRAFIA
Michel
Foucault nasceu no dia 15 de outubro de 1926, em Poitiers, na França. Seu pai
era um cirurgião renomado, lecionava na faculdade de medicina local e dirigia
uma clínica bem-sucedida. O jovem Foucault, desde cedo, recusou-se a seguir a
tradição familiar, negando a medicina. Sua vida foi marcada pela genialidade filosófica
e também pelas “extravagâncias”, como suas experiências no sanatório, o uso de
drogas diversas, a bebida excessiva e as tentativas de suicídio. Os dois
maiores amores de sua vida foram um compositor chamado Jean Barraqué e Daniel
Defert, filósofo e ativista político, que permaneceu ao lado de Foucault por
quase 20 anos, numa relação aberta. Especialmente depois de lecionar na
Universidade da Tunísia, Foucault tornou-se ativo politicamente, chegando a
entrar no Partido Comunista Francês (PCF). Morreu no dia 25 de junho de 1984,
vítima da aids.
“A constituição da loucura como doença mental, no
fim do século XVIII, delineia a constatação de um diálogo rompido entre loucura
e não loucura, entre razão e não razão. A linguagem da psiquiatria, que é um
monólogo da razão sobre a loucura, só pôde estabelecer-se sobre um tal
silêncio.”
A
FILOSOFIA DE FOUCAULT
Foucault
tratou de temas como loucura, sexualidade, disciplina, poder e punição, hoje
vistos em várias áreas do conhecimento. Em História da Loucura,
ele procura mostrar como o conceito de loucura mudou através dos tempos. Uma de
suas ideias fundamentais é que a loucura não é algo da “natureza” ou uma
“doença”, como acreditavam os psiquiatras, mas um “fato de cultura”. Podemos
enxergar quatro momentos na história da loucura:
–
Na Idade Média, os loucos vagavam livres pela sociedade e
eram, em muitos casos, considerados sagrados.
–
No Renascimento, a loucura é vista como “uma das formas da
razão”, ou seja, um saber fechado, esotérico, que produz e manifesta a
realidade de outro mundo e nos entrega o homem essencial, que em sua natureza
íntima é furor e paixão.
–
Foucault chama o período entre os séculos XVI e XVII de Idade Clássica, que teve Descartes como fundador da
filosofia moderna. A partir da dúvida sistemática, Descartes chegou ao que
acreditava ser a Verdade e identificou a loucura como algo que nos leva ao
erro. Assim, separa-se o que é “racional e verdadeiro” do que é “errôneo e
falso”. A loucura passa a ser silenciada do ponto de vista filosófico e internada
do ponto de vista institucional: “A loucura foi colocada fora do domínio no
qual o sujeito detém seus direitos à verdade”.
–
No fim da Idade Clássica, reformistas começaram a ver esse
confinamento do louco como uma barbárie, pois a loucura não era um “crime”, mas
uma “doença”. Cria-se o mito de que há um “homem normal”, anterior à doença, e,
em contrapartida, define-se o “louco” como um “doente”, que estaria distante da
normalidade. A partir desse momento, os loucos foram liberados do encarceramento
e postos sob cuidados médicos. O “louco” torna-se, ainda, um objeto de estudo.
Foucault
mostrou que a atuação do médico sobre o louco só foi possível devido à mudança
filosófica do século XVII. Em outras palavras, a atuação do médico sobre o
louco depende menos de seu conhecimento sobre medicina do que de sua cultura.
Foucault
também reflete sobre o sistema penal e a filosofia do poder, que aparecem
amalgamados em Vigiar e Punir: História da Violência nas Prisões. O
objetivo do livro era pensar toda a “tecnologia do poder”, que teria surgido no
século XVIII. Para o filósofo, o domínio no qual se exerce o poder não é a lei,
mas, sim, a norma, que produz condutas, gestos e o próprio indivíduo moderno. Para
regular a vida dos indivíduos existe o “poder disciplinar”, empregado em
hospitais, escolas, fábricas e prisões. Para explicar essa nova forma de
disciplina e vigilância, Foucault cita o clássico exemplo do Panóptico (literalmente, “vê-se tudo”) para
prisões. Trata-se de uma estrutura em forma circular, com uma plataforma de
observação erguida no meio. Isso possibilitava que um observador central
espionasse as celas situadas abaixo, ao redor do prédio. Cada prisioneiro
nessas celas estava, então, ciente de que suas atividades eram vigiadas o tempo
todo. As celas possuem uma janela para o exterior, por onde entra a luz, e uma
para o interior, de frente para a torre central, de forma que o vigilante da
torre central pode ver os prisioneiros, mas não o contrário. O efeito do
Panóptico é criar a aparente onipresença do inspetor na mente dos ocupantes,
“induzir no detento um estado consciente e permanente de visibilidade, que
assegura o funcionamento automático do poder. Fazer com que a vigilância seja
permanente em seus efeitos, mesmo se é descontínua em sua ação. O sucesso do
poder disciplinar se deve sem dúvida ao uso de instrumentos simples: o olhar
hierárquico, a sanção normalizadora e sua combinação com o exame”. O poder,
portanto, é visível, pois o detento sempre verá a torre central, e
inverificável, pois o detento nunca saberá se está de fato sendo vigiado. Sua
essência, assim, repousa na centralidade da situação do inspetor, combinada com
as mais eficazes ferramentas para ver sem ser visto. É por meio dessa técnica
que a sociedade regula seus membros. Segundo Foucault, o Panóptico não apenas
aumenta o poder das autoridades, como também induz os indivíduos a internalizar
aqueles que os vigiam, garantindo o funcionamento automático do poder. “Nossa
sociedade não é de espetáculos, mas de vigilância. Não estamos nem nas
arquibancadas nem no palco, mas na máquina panóptica, investidos por seus
efeitos de poder que nós mesmos renovamos, pois somos suas engrenagens”.
Foucault hoje
A
ideia de vigilância destacada na obra de Foucault nos parece mais atual do que
nunca. Em 2013, Edward Snowden, um funcionário terceirizado da Agência de
Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA), revelou um amplo esquema de
espionagem na internet conduzido pelo serviço de inteligência norte-americano.
De acordo com Snowden, o governo dos Estados Unidos (EUA), em parceria com
servidores das nove principais empresas da internet (Microsoft, Yahoo, Google,
Facebook, PalTalk, AOL, Skype, YouTube e Apple), registrou, sem mandado
judicial, milhares de e-mails e telefonemas de norte-americanos, a pretexto de
identificar supostos suspeitos de terrorismo. A denúncia de Snowden sustenta
que a espionagem não se limitava a questões de segurança nacional, mas obedecia
a princípios econômicos e políticos. O volume de registros armazenados pela
NSA impressiona: foram 850 bilhões de chamadas telefônicas e cerca de 150
bilhões de registros de internet. Retomando Foucault, estaríamos vivendo em uma
máquina panóptica?
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