Cecília Meireles e Vinícius de Moraes: suas fases, influências e movimentos
Análise da Unidade 3, Capítulo 5: Literatura – Cecília Meireles e Vinícius de Moraes do livro CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português: Linguagens, 3. – 9° edição – São Paulo: Saraiva, 2013.
O capítulo 5 nos introduz a Cecília Meireles e Vinícius de Moraes, que completam o grupo dos principais poetas da segunda geração do Modernismo brasileiro. Ambos espiritualistas, Cecília desenvolve uma poesia intimista e reflexiva, de profunda sensibilidade feminina. Vinícius, partindo de uma poesia religiosa e idealizante, chega a ser um dos poetas mais sensuais da nossa literatura.
Embora não tenham pertencido diretamente ao grupo católico carioca formado por Jorge de Lima, Murilo Mendes, Ismael Nery, Tristão de Ataíde e outros, Cecília e Vinícius também são considerados poetas espiritualistas e reforçam essa tendência da segunda geração modernista. Contudo, a obra de ambos trilha caminhos próprios: a de Cecília, o da reflexão filosófica e existencial; a de Vinícius, um caminho em direção à percepção material da vida, do amor e da mulher.
Cecília Meireles
Cecília Meireles (1901-1964), a primeira grande escritora da literatura brasileira e a principal voz feminina de nossa poesia moderna, nasceu no Rio de Janeiro, onde fez seus primeiros estudos e se formou professora. Em 1919, lançou seu primeiro livro de poemas, Espectros (1919), bem recebido pela crítica. A produção literária de Cecília é ampla: embora mais conhecida como poetisa, deixou contribuições no campo do conto, da crônica, da literatura infantil e do folclore.
Cecília nunca esteve filiada a nenhum movimento literário, contudo, suas primeiras publicações evidenciam certa inclinação pelo Simbolismo. Além disso, a freqüente presença de elementos como o vento, a água, o mar, o ar, o tempo, o espaço, a solidão e a música dá à poesia de Cecília um caráter fluido e etéreo, que confirma a inclinação neossimbolista da autora. O espiritualismo e o orientalismo, tão prezados pelos simbolistas, também se fazem presentes na obra da poesia.
Do ponto de vista formal, a escritora foi uma das mais habilidosas em nossa poesia moderna, sendo cuidadosa em sua seleção vocabular e forte a inclinação para a musicalidade (outro traço associado ao Simbolismo).
Nos poemas a seguir, podemos observar a presença de elementos como o mar, o oceano, o vento e a musicalidade.
Poema I: Pequena Canção da Onda
"Os peixes de prata ficaram perdidos,
com as velas e os remos, no meio do mar.
A areia chamava, de longe, de longe,
Ouvia-se a areia chamar e chorar!
A areia tem rosto de música
e o resto é tudo luar!
Por ventos contrários, em noite sem luzes,
do meio do oceano deixei-me rolar!
Meu corpo sonhava com a areia, com a areia,
desprendi-,e do mundo do mar!
Mas o vento deu na areia.
A areia é de desmanchar.
Morro por seguir meu sonho,
Longe do reino do mar!"
Poema II: Música
Noite perdida,
não te lamento:
embarco a vida
no pensamento,
busco a alvorada
do sonho isento,
puro e sem nada,
- rosa encarnada,
intacta, ao vento.
Noite perdida,
noite encontrada,
morta, vivida,
e ressuscitada...
(Asa da lua
quase parada,
mostra-me a sua
sombra escondida,
que continua
a minha vida
num chão profundo!
- raiz prendida
a um outro mundo.)
Rosa encarnada
do sonho isento,
muda alvorada
que o pensamento
deixa confiada
ao tempo lento...
Minha partida,
minha chegada,
é tudo vento...
Ai da alvorada!
Noite perdida,
noite encontrada...
Cecília cultivou uma poesia reflexiva, de fundo filosófico, que aborda, entre outros, temas como a transitoriedade da vida, o tempo, o amor, o infinito, a natureza, a criação artística. Ela revela que o que buscava alcançar por meio de sua poesia era: “Acordar a criatura humana dessa espécie de sonambulismo em que tantos se deixam arrastar. Mostrar-lhes a vida em profundidade. Sem pretensão filosófica ou de salvação – mas por uma contemplação poética afetuosa e participante.
Vinícius de Moraes
Vinícius de Moraes (1913-1980) nascido no Rio de Janeiro, formou-se em Letras em 1929; diplomata, cronista, crítico de cinema e autor que, além de ter sido um dos mais famosos compositores da música popular brasileira e um dos fundadores, na década de 1950, do movimento musical Bossa Nova, foi também poeta significativo da segunda fase do Modernismo.
Como poeta, Vinícius integra o grupo de poetas religiosos que se formou no Rio de Janeiro entre as décadas de 1930 e 40. Em sua Antologia poética (1955), Vinícius assinalava que sua obra consistia em duas fases: “A primeira, transcendental, frequentemente mística, resultante de sua fase cristã, termina com o poema ‘Ariana, a mulher’, editado em 1936.” Na segunda “estão nitidamente marcados os movimentos de aproximação do mundo material, com a difícil mas consistente repulsa ao idealismo dos primeiros anos”.
A exemplo de outros poetas de sua geração, a primeira fase de Vinícius é marcada pela preocupação religiosa, pela angústia existencial diante da condição humana e pelo desejo de superar, por meio da transcendência mística, as sensações de pecado, culpa e desconsolo que a vida terrena oferece.
Podemos observar que os poemas dessa fase são geralmente longos, com versos igualmente longos, em linguagem abstrata, alegórica e declamatória.
Sacrifício
[...] No sangue e na lama
O corpo sem vida tombou.
Mas nos olhos do homem caído
Havia ainda a luz do sacrifício que redime
E no grande Espírito que adejava o mar e o monte
Mil vozes clamavam que a vitória do homem forte tombado na luta
Era o novo Evangelho para o homem da paz que lavra no campo.
Em 1943 há uma passagem da poesia de Vinícius para uma fase de proximidade maior com o mundo material. O poeta torna-se interessado nos temas cotidianos, nas coisas simples da vida, e explora com sensualismo os temas do amor e da mulher. A linguagem também tende à simplicidade: o verso livre passa a ser mais empregado, a comunicação fica mais direta e dinâmica.
Pode-se dizer que, pela primeira vez, Vinícius aderiu às propostas dos modernistas de 22, embora certa dicção clássica e o gosto pelo soneto sempre tenham feito parte de sua poesia. Contudo, em suas mãos o soneto ganhou uma roupagem diferente, mais moderna e real, fazendo uso de vocábulos do cotidiano, pouco comuns nesse tipo de composição.
Pode-se observar em que o erotismo é recriado a partir de uma forma clássica e de uma linguagem crua e direta a seguir:
Soneto de Devoção
Essa mulher que se arremessa, fria
E lúbrica aos meus braços, e nos seios
Me arrebata e me beija e balbucia
Versos, votos de amor e nomes feios.
Essa mulher, flor de melancolia
Que se ri dos meus pálidos receios
A única entre todas a quem dei
Os carinhos que nunca a outra daria.
Essa mulher que a cada amor proclama
A miséria e a grandeza de quem ama
E guarda a marca dos meus dentes nela.
Essa mulher é um mundo! — uma cadela
Talvez... — mas na moldura de uma cama
Nunca mulher nenhuma foi tão bela!
Além de ter explorado a poesia sensual, Vinícius também se interessou pela poesia social, na qual o poeta manifesta solidariedade às classes oprimidas e almeja atingir a consciência daqueles que o lêem ou ouvem.
Do último Vinícius, poeta sensual e social, para o Vinícius cantor e compositor foi um passo. A partir da década de 1960 o poeta entregou-se de corpo e alma à música. Pensasse sempre se a poesia perdeu para a música popular um grande talento. Vinícius foi o poeta mais conhecido e amado do público brasileiro, aquele que levou às rodas de bar, aos teatros e ao rádio composições de requinte literário.
Fonte: Mundo dos Letreiros (adaptado)
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