PROPOSTA DE PRODUÇÃO TEXTUAL
TEXTO I
O Homem que Sabia Javanês
de Lima Barreto
Em uma confeitaria, certa vez, ao meu amigo Castro, contava eu as partidas
que havia pregado às convicções e às respeitabilidades, para poder viver.
Houve mesmo, uma dada ocasião, quando estive em Manaus, em que fui
obrigado a esconder a minha qualidade de bacharel, para mais confiança obter dos
clientes, que afluíam ao meu escritório de feiticeiro e adivinho. Contava eu isso.
O meu amigo ouvia-me calado, embevecido, gostando daquele meu Gil Blas
vivido, até que, em uma pausa da conversa, ao esgotarmos os copos, observou a
esmo:
— Tens levado uma vida bem engraçada, Castelo !
— Só assim se pode viver... Isto de uma ocupação única: sair de casa a
certas horas, voltar a outras, aborrece, não achas? Não sei como me tenho
agüentado lá, no consulado !
— Cansa-se; mas, não é disso que me admiro. O que me admira, é que
tenhas corrido tantas aventuras aqui, neste Brasil imbecil e burocrático.
— Qual! Aqui mesmo, meu caro Castro, se podem arranjar belas páginas de
vida. Imagina tu que eu já fui professor de javanês!
— Quando? Aqui, depois que voltaste do consulado?
— Não; antes. E, por sinal, fui nomeado cônsul por isso.
— Conta lá como foi. Bebes mais cerveja?
— Bebo.
Mandamos buscar mais outra garrafa, enchemos os copos, e continuei:
— Eu tinha chegado havia pouco ao Rio estava literalmente na miséria. Vivia
fugido de casa de pensão em casa de pensão, sem saber onde e como ganhar
dinheiro, quando li no Jornal do Comércio o anuncio seguinte:
"Precisa-se de um professor de língua javanesa. Cartas, etc." Ora, disse cá
comigo, está ali uma colocação que não terá muitos concorrentes; se eu capiscasse
quatro palavras, ia apresentar-me. Saí do café e andei pelas ruas, sempre a
imaginar-me professor de javanês, ganhando dinheiro, andando de bonde e sem
encontros desagradáveis com os "cadáveres". Insensivelmente dirigi-me à Biblioteca
Nacional. Não sabia bem que livro iria pedir; mas, entrei, entreguei o chapéu ao
porteiro, recebi a senha e subi. Na escada, acudiu-me pedir a Grande Encyclopédie,
letra J, a fim de consultar o artigo relativo a Java e a língua javanesa. Dito e feito.
Fiquei sabendo, ao fim de alguns minutos, que Java era uma grande ilha do
arquipélago de Sonda, colônia holandesa, e o javanês, língua aglutinante do grupo
maleo-polinésico, possuía uma literatura digna de nota e escrita em caracteres
derivados do velho alfabeto hindu.
A Encyclopédie dava-me indicação de trabalhos sobre a tal língua malaia e
não tive dúvidas em consultar um deles. Copiei o alfabeto, a sua pronunciação
figurada e saí. Andei pelas ruas, perambulando e mastigando letras. Na minha
cabeça dançavam hieróglifos; de quando em quando consultava as minhas notas;
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entrava nos jardins e escrevia estes calungas na areia para guardá-los bem na
memória e habituar a mão a escrevê-los.
À noite, quando pude entrar em casa sem ser visto, para evitar indiscretas
perguntas do encarregado, ainda continuei no quarto a engolir o meu "a-b-c" malaio,
e, com tanto afinco levei o propósito que, de manhã, o sabia perfeitamente.
Convenci-me que aquela era a língua mais fácil do mundo e saí; mas não tão cedo
que não me encontrasse com o encarregado dos aluguéis dos cômodos:
— Senhor Castelo, quando salda a sua conta?
Respondi-lhe então eu, com a mais encantadora esperança:
— Breve... Espere um pouco... Tenha paciência... Vou ser nomeado professor
de javanês, e...
Por aí o homem interrompeu-me:
— Que diabo vem a ser isso, Senhor Castelo?
Gostei da diversão e ataquei o patriotismo do homem:
— É uma língua que se fala lá pelas bandas do Timor. Sabe onde é?
Oh! alma ingênua! O homem esqueceu-se da minha dívida e disse-me com
aquele falar forte dos portugueses:
— Eu cá por mim, não sei bem; mas ouvi dizer que são umas terras que
temos lá para os lados de Macau. E o senhor sabe isso, Senhor Castelo?
Animado com esta saída feliz que me deu o javanês, voltei a procurar o
anúncio. Lá estava ele. Resolvi animosamente propor-me ao professorado do idioma
oceânico. Redigi a resposta, passei pelo Jornal e lá deixei a carta. Em seguida, voltei
à biblioteca e continuei os meus estudos de javanês. Não fiz grandes progressos
nesse dia, não sei se por julgar o alfabeto javanês o único saber necessário a um
professor de língua malaia ou se por ter me empenhado mais na bibliografia e
história literária do idioma que ia ensinar.
Ao cabo de dois dias, recebia eu uma carta para ir falar ao doutor Manuel
Feliciano Soares Albernaz, Barão de Jacuecanga, à Rua Conde de Bonfim, não me
recordo bem que numero. E preciso não te esqueceres que entrementes continuei
estudando o meu malaio, isto é, o tal javanês. Além do alfabeto, fiquei sabendo o
nome de alguns autores, também perguntar e responder "como está o senhor?" - e
duas ou três regras de gramática, lastrado todo esse saber com vinte palavras do
léxico.
Não imaginas as grandes dificuldades com que lutei, para arranjar os
quatrocentos réis da viagem! É mais fácil - podes ficar certo - aprender o javanês...
Fui a pé. Cheguei suadíssimo; e, Com maternal carinho, as anosas mangueiras, que
se perfilavam em alameda diante da casa do titular, me receberam, me acolheram e
me reconfortaram. Em toda a minha vida, foi o único momento em que cheguei a
sentir a simpatia da natureza...
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Era uma casa enorme que parecia estar deserta; estava mal tratada, mas não
sei porque me veio pensar que nesse mau tratamento havia mais desleixo e cansaço
de viver que mesmo pobreza. Devia haver anos que não era pintada. As paredes
descascavam e os beirais do telhado, daquelas telhas vidradas de outros tempos,
estavam desguarnecidos aqui e ali, como dentaduras decadentes ou mal cuidadas.
Olhei um pouco o jardim e vi a pujança vingativa com que a tiririca e o
carrapicho tinham expulsado os tinhorões e as begônias. Os crótons continuavam,
porém, a viver com a sua folhagem de cores mortiças. Bati. Custaram-me a abrir.
Veio, por fim, um antigo preto africano, cujas barbas e cabelo de algodão davam à
sua fisionomia uma aguda impressão de velhice, doçura e sofrimento.
Na sala, havia uma galeria de retratos: arrogantes senhores de barba em
colar se perfilavam enquadrados em imensas molduras douradas, e doces perfis de
senhoras, em bandós, com grandes leques, pareciam querer subir aos ares,
enfunadas pelos redondos vestidos à balão; mas, daquelas velhas coisas, sobre as
quais a poeira punha mais antiguidade e respeito, a que gostei mais de ver foi um
belo jarrão de porcelana da China ou da Índia, como se diz. Aquela pureza da louça,
a sua fragilidade, a ingenuidade do desenho e aquele seu fosco brilho de luar,
diziam-me a mim que aquele objeto tinha sido feito por mãos de criança, a sonhar,
para encanto dos olhos fatigados dos velhos desiludidos...
Esperei um instante o dono da casa. Tardou um pouco. Um tanto trôpego,
com o lenço de alcobaça na mão, tomando veneravelmente o simonte de antanho,
foi cheio de respeito que o vi chegar. Tive vontade de ir-me embora. Mesmo se não
fosse ele o discípulo, era sempre um crime mistificar aquele ancião, cuja velhice
trazia à tona do meu pensamento alguma coisa de augusto, de sagrado. Hesitei,
mas fiquei.
— Eu sou, avancei, o professor de javanês, que o senhor disse precisar.
— Sente-se, respondeu-me o velho. O senhor é daqui, do Rio?
— Não, sou de Canavieiras.
— Como? fez ele. Fale um pouco alto, que sou surdo, — Sou de Canavieiras,
na Bahia, insisti eu. — Onde fez os seus estudos?
— Em São Salvador.
— Em onde aprendeu o javanês? indagou ele, com aquela teimosia peculiar
aos velhos.
Não contava com essa pergunta, mas imediatamente arquitetei uma mentira.
Contei-lhe que meu pai era javanês. Tripulante de um navio mercante, viera ter à
Bahia, estabelecera-se nas proximidades de Canavieiras como pescador, casara,
prosperara e fora com ele que aprendi javanês.
— E ele acreditou? E o físico? perguntou meu amigo, que até então me ouvira
calado.
— Não sou, objetei, lá muito diferente de um javanês. Estes meus cabelos
corridos, duros e grossos e a minha pele basané podem dar-me muito bem o
aspecto de um mestiço de malaio...Tu sabes bem que, entre nós, há de tudo: índios,
malaios, taitianos, malgaches, guanches, até godos. É uma comparsaria de raças e
tipos de fazer inveja ao mundo inteiro.
— Bem, fez o meu amigo, continua.
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— O velho, emendei eu, ouviu-me atentamente, considerou demoradamente
o meu físico, pareceu que me julgava de fato filho de malaio e perguntou-me com
doçura:
— Então está disposto a ensinar-me javanês?
— A resposta saiu-me sem querer: — Pois não.
— O senhor há de ficar admirado, aduziu o Barão de Jacuecanga, que eu,
nesta idade, ainda queira aprender qualquer coisa, mas...
— Não tenho que admirar. Têm-se visto exemplos e exemplos muito
fecundos... ?
— O que eu quero, meu caro senhor....
— Castelo, adiantei eu.
— O que eu quero, meu caro Senhor Castelo, é cumprir um juramento de
família. Não sei se o senhor sabe que eu sou neto do Conselheiro Albernaz, aquele
que acompanhou Pedro I, quando abdicou. Voltando de Londres, trouxe para aqui
um livro em língua esquisita, a que tinha grande estimação. Fora um hindu ou
siamês que lho dera, em Londres, em agradecimento a não sei que serviço prestado
por meu avô. Ao morrer meu avô, chamou meu pai e lhe disse: "Filho, tenho este
livro aqui, escrito em javanês. Disse-me quem mo deu que ele evita desgraças e traz
felicidades para quem o tem. Eu não sei nada ao certo. Em todo o caso, guarda-o;
mas, se queres que o fado que me deitou o sábio oriental se cumpra, faze com que
teu filho o entenda, para que sempre a nossa raça seja feliz." Meu pai, continuou o
velho barão, não acreditou muito na história; contudo, guardou o livro. Às portas da
morte, ele mo deu e disse-me o que prometera ao pai. Em começo, pouco caso fiz
da história do livro. Deitei-o a um canto e fabriquei minha vida. Cheguei até a
esquecer-me dele; mas, de uns tempos a esta parte, tenho passado por tanto
desgosto, tantas desgraças têm caído sobre a minha velhice que me lembrei do
talismã da família. Tenho que o ler, que o compreender, se não quero que os meus
últimos dias anunciem o desastre da minha posteridade; e, para entendê-lo, é claro,
que preciso entender o javanês. Eis aí.
Calou-se e notei que os olhos do velho se tinham orvalhado. Enxugou
discretamente os olhos e perguntou-me se queria ver o tal livro. Respondi-lhe que
sim. Chamou o criado, deu-lhe as instruções e explicou-me que perdera todos os
filhos, sobrinhos, só lhe restando uma filha casada, cuja prole, porém, estava
reduzida a um filho, débil de corpo e de saúde frágil e oscilante.
Veio o livro. Era um velho calhamaço, um in-quarto antigo, encadernado em
couro, impresso em grandes letras, em um papel amarelado e grosso. Faltava a
folha do rosto e por isso não se podia ler a data da impressão. Tinha ainda umas
páginas de prefácio, escritas em inglês, onde li que se tratava das histórias do
príncipe Kulanga, escritor javanês de muito mérito.
Logo informei disso o velho barão que, não percebendo que eu tinha chegado
aí pelo inglês, ficou tendo em alta consideração o meu saber malaio. Estive ainda
folheando o cartapácio, à laia de quem sabe magistralmente aquela espécie de
vasconço, até que afinal contratamos as condições de preço e de hora,
comprometendo-me a fazer com que ele lesse o tal alfarrábio antes de um ano.
Dentro em pouco, dava a minha primeira lição, mas o velho não foi tão
diligente quanto eu. Não conseguia aprender a distinguir e a escrever nem sequer
quatro letras. Enfim, com metade do alfabeto levamos um mês e o Senhor Barão de
Jacuecanga não ficou lá muito senhor da matéria: aprendia e desaprendia.
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A filha e o genro (penso que até aí nada sabiam da história do livro) vieram a
ter notícias do estudo do velho; não se incomodaram. Acharam graça e julgaram a
coisa boa para distraí-lo.
Mas com o que tu vais ficar assombrado, meu caro Castro, é com a
admiração que o genro ficou tendo pelo professor de javanês. Que coisa Única! Ele
não se cansava de repetir: “É um assombro! Tão moço! Se eu soubesse isso, ah!
onde estava !”
O marido de Dona Maria da Glória (assim se chamava a filha do barão), era
desembargador, homem relacionado e poderoso; mas não se pejava em mostrar
diante de todo o mundo a sua admiração pelo meu javanês. Por outro lado, o barão
estava contentíssimo. Ao fim de dois meses, desistira da aprendizagem e pedira-me
que lhe traduzisse, um dia sim outro não, um trecho do livro encantado. Bastava
entendê-lo, disse-me ele; nada se opunha que outrem o traduzisse e ele ouvisse.
Assim evitava a fadiga do estudo e cumpria o encargo.
Sabes bem que até hoje nada sei de javanês, mas compus umas histórias
bem tolas e impingi-as ao velhote como sendo do crônicon. Como ele ouvia aquelas
bobagens !...
Ficava extático, como se estivesse a ouvir palavras de um anjo. E eu crescia
aos seus olhos !
Fez-me morar em sua casa, enchia-me de presentes, aumentava-me o
ordenado. Passava, enfim, uma vida regalada.
Contribuiu muito para isso o fato de vir ele a receber uma herança de um seu
parente esquecido que vivia em Portugal. O bom velho atribuiu a cousa ao meu
javanês; e eu estive quase a crê-lo também.
Fui perdendo os remorsos; mas, em todo o caso, sempre tive medo que me
aparecesse pela frente alguém que soubesse o tal patuá malaio. E esse meu temor
foi grande, quando o doce barão me mandou com uma carta ao Visconde de Caruru,
para que me fizesse entrar na diplomacia. Fiz-lhe todas as objeções: a minha
fealdade, a falta de elegância, o meu aspecto tagalo. — "Qual! retrucava ele. Vá,
menino; você sabe javanês!" Fui. Mandou-me o visconde para a Secretaria dos
Estrangeiros com diversas recomendações. Foi um sucesso.
O diretor chamou os chefes de seção: "Vejam só, um homem que sabe
javanês — que portento!"
Os chefes de seção levaram-me aos oficiais e amanuenses e houve um
destes que me olhou mais com ódio do que com inveja ou admiração. E todos
diziam: "Então sabe javanês? É difícil? Não há quem o saiba aqui!"
O tal amanuense, que me olhou com ódio, acudiu então: "É verdade, mas eu
sei canaque. O senhor sabe?" Disse-lhe que não e fui à presença do ministro.
A alta autoridade levantou-se, pôs as mãos às cadeiras, concertou o pincenez no nariz e perguntou: "Então, sabe javanês?" Respondi-lhe que sim; e, à sua
pergunta onde o tinha aprendido, contei-lhe a história do tal pai javanês. "Bem,
disse-me o ministro, o senhor não deve ir para a diplomacia; o seu físico não se
presta... O bom seria um consulado na Ásia ou Oceania. Por ora, não há vaga, mas
vou fazer uma reforma e o senhor entrará. De hoje em diante, porém, fica adido ao
meu ministério e quero que, para o ano, parta para Bale, onde vai representar o
Brasil no Congresso de Lingüística. Estude, leia o Hovelacque, o Max Müller, e
outros!"
Imagina tu que eu até aí nada sabia de javanês, mas estava empregado e iria
representar o Brasil em um congresso de sábios.
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O velho barão veio a morrer, passou o livro ao genro para que o fizesse
chegar ao neto, quando tivesse a idade conveniente e fez-me uma deixa no
testamento.
Pus-me com afã no estudo das línguas maleo-polinésicas; mas não havia
meio!
Bem jantado, bem vestido, bem dormido, não tinha energia necessária para
fazer entrar na cachola aquelas coisas esquisitas. Comprei livros, assinei revistas:
Revue Anthropologique et Linguistique, Proceedings of the English-Oceanic
Association, Archivo Glottologico Italiano, o diabo, mas nada! E a minha fama
crescia. Na rua, os informados apontavam-me, dizendo aos outros: "Lá vai o sujeito
que sabe javanês." Nas livrarias, os gramáticos consultavam-me sobre a colocação
dos pronomes no tal jargão das ilhas de Sonda. Recebia cartas dos eruditos do
interior, os jornais citavam o meu saber e recusei aceitar uma turma de alunos
sequiosos de entenderem o tal javanês. A convite da redação, escrevi, no Jornal do
Comércio um artigo de quatro colunas sobre a literatura javanesa antiga e
moderna...
— Como, se tu nada sabias? interrompeu-me o atento Castro.
— Muito simplesmente: primeiramente, descrevi a ilha de Java, com o auxílio
de dicionários e umas poucas de geografias, e depois citei a mais não poder.
— E nunca duvidaram? perguntou-me ainda o meu amigo.
— Nunca. Isto é, uma vez quase fico perdido. A polícia prendeu um sujeito,
um marujo, um tipo bronzeado que só falava uma língua esquisita. Chamaram
diversos intérpretes, ninguém o entendia. Fui também chamado, com todos os
respeitos que a minha sabedoria merecia, naturalmente. Demorei-me em ir, mas fui
afinal. O homem já estava solto, graças à intervenção do cônsul holandês, a quem
ele se fez compreender com meia dúzia de palavras holandesas. E o tal marujo era
javanês — uf!
Chegou, enfim, a época do congresso, e lá fui para a Europa. Que delícia!
Assisti à inauguração e às sessões preparatórias. Inscreveram-me na seção do tupiguarani e eu abalei para Paris. Antes, porém, fiz publicar no Mensageiro de Bale o
meu retrato, notas biográficas e bibliográficas. Quando voltei, o presidente pediu-me
desculpas por me ter dado aquela seção; não conhecia os meus trabalhos e julgara
que, por ser eu americano brasileiro, me estava naturalmente indicada a seção do
tupi- guarani. Aceitei as explicações e até hoje ainda não pude escrever as minhas
obras sobre o javanês, para lhe mandar, conforme prometi.
Acabado o congresso, fiz publicar extratos do artigo do Mensageiro de Bale,
em Berlim, em Turim e Paris, onde os leitores de minhas obras me ofereceram um
banquete, presidido pelo Senador Gorot. Custou-me toda essa brincadeira, inclusive
o banquete que me foi oferecido, cerca de dez mil francos, quase toda a herança do
crédulo e bom Barão de Jacuecanga.
Não perdi meu tempo nem meu dinheiro. Passei a ser uma glória nacional e,
ao saltar no cais Pharoux, recebi uma ovação de todas as classes sociais e o
presidente da república, dias depois, convidava-me para almoçar em sua
companhia.
Dentro de seis meses fui despachado cônsul em Havana, onde estive seis
anos e para onde voltarei, a fim de aperfeiçoar os meus estudos das línguas da
Malaia, Melanésia e Polinésia.
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— É fantástico, observou Castro, agarrando o copo de cerveja.
— Olha: se não fosse estar contente, sabes que ia ser ?
— Que?
— Bacteriologista eminente. Vamos?
— Vamos.
Gazeta da Tarde, Rio.28-4-l9ll.
Fim
TEMA: PARADOXO SOCIAL: "TER" E "SER" SOCIAL - DA FALÁCIA À ÉTICA.
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