PROPOSTA DE REDAÇÃO

TEMA: CORRIDA DESENFREADA PELA BUSCA DA ESTÉTICA CORPORAL E PELA JUVENTUDE

 TEXTO 1

A Substância” (2024) é um filme para os de estômago forte. Do gênero body-horror, o que não faltam são tripas, vísceras, mutilações e deformações grotescas. Se isso não te intimida, chegue mais: a obra é um excelente repertório para a redação do vestibular, incluindo a do Enem. Embalados em uma narrativa à la “O Retrato de Dorian Gray“, o espectador pode esperar pontos de reflexão que tocam em em discussões pertinentes para as provas, como etarismo, misoginia, padrões de beleza e procedimentos estéticos – sem, claro, abrir mão dos aspectos de um filme de terror. É daquelas histórias que na cabeça e você definitivamente não esqueceria na hora de citar na redação. Em “A Substância”, Demi Moore, 61, interpreta Elisabeth Sparkle, uma premiada atriz que estrela um programa de televisão fitness, desses de se acompanhar dançando e se exercitando. A história começa com a artista – que, ainda que famosa e bem-sucedida, não consegue replicar o sucesso do passado –, completando 50 anos. No mesmo dia de seu aniversário, recebe a notícia de que será demitida. O chefe da emissora em que trabalha lhe explica que a medida é puramente técnica: os espectadores esperam algo novo, o que aos 50 anos ela não seria capaz de entregar. Devastada, a atriz passa a questionar a própria imagem perante o espelho. Não enxerga mais a mulher que foi no passado – um tipo de angústia que parece atingir com ainda mais força as mulheres que trabalham na mídia. É aí que conhece um misterioso procedimento estético que circula no mercado ilegal. Trata-se de um medicamento capaz de criar uma nova versão sua: um corpo mais jovem, bonito e perfeito. É a Substância. O elixir, mistura de milagre com ficção científica, só tem uma regra: o usuário deve respeitar um rodízio de sete dias com o seu corpo antigo. Isto é, passa sete dias com o seu corpo original, e sete dias com o corpo criado, sem exceções. “Lembre-se: vocês são um só”, alerta a embalagem. Cética, mas cega pela repulsa à própria imagem, ela injeta o medicamento em si. Em uma cena angustiante, Elisabeth “dá à luz” a sua nova versão: uma mulher na casa dos vinte anos, que rompe de suas costas. A partir desse momento, é no corpo novo que reside a consciência de Elisabeth, enquanto o original se mantém desacordado no chão. Um soro alimentício injetado na veia o conserva saudável e estável durante o período do rodízio. A nova Elisabeth, que se apresenta como Sue no corpo criado, costura as costas do antigo e sai para a vida. Passada a adaptação inicial, a atriz começa a aproveitar todos os benefícios que a levaram a injetar a substância. Durante os sete dias no corpo criado, experimenta tudo aquilo que, em tese, só a juventude pode oferecer. Por onde passa, é alvo de desejos, gentilezas e flertes. Mais relevante do que tudo isso, ela busca “de volta” o emprego que lhe haviam tirado: no corpo criado, é contratada pela mesma emissora que lhe demitiu. À frente de um programa idêntico ao anterior, Sue não demora para se tornar um fenômeno. A beleza extraordinária, somada ao talento e carisma “natos”, lhe transformam rapidamente na garota do momento. É nos dias que retorna ao corpo original, porém, que a vida dos sonhos é interrompida. Elisabeth, a original, passa a viver o intervalo do rodízio de forma isolada, ansiosa, apenas aguardando o momento de trocar de corpo novamente. O corpo criado é mantido dentro de casa, escondido – como se fosse uma roupa que logo mais será vestida. Quanto mais passa a viver o rodízio da substância, mais vergonha e repulsa sente pelo corpo original. Em poucas semanas, é como se toda a autoestima e valor que Elisabeth tivesse construído ao longo da vida, desaparecesse. É somente como Sue que ela se sente feliz, desejada e válida. Não só do ponto de vista dela, mas, aparentemente, do mundo também – ou, melhor, dos homens. Em certa cena, Elisabeth esbarra com um rapaz que havia transado com corpo de Sue, na semana anterior. Ao contrário das gentilezas e carícias destinadas ao corpo jovial, recebe do rapaz rispidez e impaciência. Em outra, vê um vizinho enraivecido e prestes a reclamar do barulho, mudar de expressão rapidamente ao ver que quem atendeu a porta é Sue, e não Elisabeth. O homem desiste da reclamação e se insinua sexualmente para a garota. Críticos de cinema têm chamado “A Substância” de um “body-horror feminista”. Uma guinada no gênero, que, historicamente, utiliza do corpo feminino como objeto. Mas não se engane: o que não falta no longa é objetificação do corpo de Elisabeth e Sue – no primeiro, repulsivas, no segundo, desejosas. É como se o filme, ainda que dirigido e estrelado por mulheres, fosse desenvolvido pela ótica do “male gaze”. O termo em inglês, que pode ser traduzido como “olhar masculino”, representa um conceito difundido na teoria feminista que diz respeito à forma como a cultura visual, especialmente filmes e outras mídias, retrata mulheres a partir da perspectiva masculina heterossexual. O corpo feminino é objetificado e colocado como um item moldado para agradar o olhar masculino. Quando envelhecido, no entanto, esse corpo deixa de ser desejável, atraente e, por consequência, se torna vil e repulsivo. Da bruxa da Branca de Neve até Pearl da trilogia X (“X”, “Pearl” e “MaXXXine”), o corpo da mulher quando velho é representando como assustador e nojento. Essa visão, que durante tanto tempo foi predominnate na indústria, molda a representação das mulheres nessas mídias, , reforçando papéis de gênero e dinâmicas de poder em que mulheres são passivas e/ou erotizadas. Demi Moore, sempre aclamada por sua beleza, está na indústria do cinema há mais de 40 anos: não há dúvidas de que ela sabe exatamente do que o filme está falando. É também da Demi Moore a fama de realizar procedimentos estéticos em excesso. A atriz, que andava sumida nos últimos anos, passou por cirurgias e intervenções plásticas que foram apontadas pela imprensa como desastrosas. Não era raro encontrar a foto da atriz em matérias que listavam celebridades que “pesaram a mão” nos procedimentos. Ninguém pode ler a mente de Demi Moore, claro, mas não é difícil imaginar o que incentivou a atriz a buscar essas intervenções. A mesma sociedade que incentiva a ditadura da juventude, é também a que condena quando um procedimento não sai como o esperado. É essa cultura que “A Substância” representa satiricamente. Da metade para o final do filme, o rodízio entre os dois corpos começa a falhar, e, evidentemente, o preço pela brincadeira vai se escalando absurdamente. Nos minutos finais, Elisabeth e Sue se se morfam em uma figura monstruosa e deformada. Como um grito de raiva, Elisabeth parece finalmente perceber o valor que tinha antes de tudo acontecer: se tornando uma aberração grotesca, veste um um vestido azul à la Cinderela e invade uma gravação ao vivo. Ela é atacada e desfigurada pelos homens presentes, que cortam sua cabeça – somente para crescer outra mais deformada ainda no lugar. A catarse é literal: em uma explosão de sangue e tripas, Elisabeth/Sue vão se desfazendo. Na última cena, a atriz é reduzida a um pequeno poço líquido, até secar e desaparecer. Fonte: https://guiadoestudante.abril.com.br/dica-cultural/filme-a-substancia-vai-te-deixar-com-nojo-e-pode-ser-citado-no-enem

TEXTO 2

Resolvi ir ao cinema assistir ao filme mais “hypado” do momento, “A Substância”, e foi uma experiência profunda e muito, muitíssimo perturbadora. Como sou uma mulher de quase 40 anos, sempre atenta aos padrões de beleza e ao estado do meu corpo, o filme me tocou de forma intensa. A princípio, tudo nele parecia exagerado: as transformações, as consequências, o desespero por manter a juventude. Admito que isso chegou a me incomodar. Mas, ao longo da narrativa, fui percebendo que esses excessos eram mais do que necessários, pois refletem, de forma extrema, é verdade, a realidade em que vivemos, onde a obsessão pela estética e pelo corpo jovem e perfeito muitas vezes se torna uma corrida desenfreada. Preocupo-me com meu corpo, sempre quis manter a forma, cuidar da pele, evitar os sinais da idade. Com o passar dos anos, essa preocupação só aumentou. As primeiras rugas surgiram, a pele perdeu a firmeza e a flacidez apareceu onde antes eu nunca havia imaginado. São mudanças inevitáveis, eu sei. Mas isso não torna o processo mais fácil. Ainda luto contra essa sensação de perda, essa percepção de que estou ficando mais distante daquele padrão de beleza que nos é imposto desde sempre. E foi aí que “A Substância” me forçou a encarar uma questão ainda maior: até onde estamos dispostas a ir para manter essa aparência jovem? O filme escancara essa busca insaciável pela juventude eterna, e não consegui deixar de me ver na personagem principal. Vendo-a sucumbir ao desespero de prolongar a beleza, percebi o quanto também estou envolvida nesse jogo. Já me submeti a dietas rigorosas, cirurgias, horas de exercícios, cremes e tratamentos com substâncias que prometem manter a pele jovem, o corpo firme. Tudo em uma tentativa de adiar o inevitável. Vivemos em um mundo onde os excessos estéticos são a regra, e o filme nos lembra disso a cada momento. Cirurgias plásticas, procedimentos invasivos, produtos milagrosos – tudo isso faz parte do nosso cotidiano, e muitas mulheres perdem a vida ou comprometem sua saúde em busca desse ideal inalcançável. Eu mesma, como já disse, sinto essa pressão de me manter dentro desses padrões, como se fosse uma obrigação, algo que não posso deixar de lado. E, quanto mais envelheço, mais sinto essa pressão aumentar. Além disso, há uma verdade incômoda no centro de “A Substância”: a juventude, a beleza, o corpo perfeito, tudo isso é passageiro. Mesmo assim, em nossa sociedade, somos ensinadas a resistir ao tempo a qualquer custo. E é exatamente por isso que tantas mulheres se entregam a procedimentos que, por vezes, arriscam suas próprias vidas. Foi impossível assistir ao filme sem me questionar: quantas vezes eu já fiz algo para tentar segurar a juventude? Quantas vezes recorri a soluções rápidas, a tratamentos, na esperança de reverter o inevitável? A verdade é que esse desespero é meu, é seu, é nosso. E me faz pensar sobre como estamos vivendo em um mundo que se alimenta desses excessos, onde a busca pela perfeição estética se tornou uma forma de sobrevivência. O filme termina deixando essa pergunta no ar: se tivéssemos a chance de tomar a substância e garantir uma juventude eterna, será que tomaríamos? E eu, mesmo sabendo de todos os riscos, de todas as consequências, fico me perguntando o mesmo. Será que eu tomaria? E mais importante ainda: será que eu já não tomei, de alguma forma, ao longo dos anos? “A Substância” não é apenas um filme sobre exageros. É um espelho cruel da sociedade em que vivemos, onde o corpo se tornou uma mercadoria, algo que deve ser moldado, ajustado, retocado. E, mesmo sabendo disso, mesmo consciente dos perigos, a pergunta continua ecoando: será que tomaríamos? E o que essa resposta diz sobre o que nos tornamos?

Danielle Zulques

É Diretora para assuntos de política e sociedade do IREE. Advogada formada pela FAAP e pós-graduada em Ciências Políticas pela FESPSP. É Coordenadora da CAUSA - rede que conecta advogadas a mães em busca de suporte legal.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Orações subordinadas substantivas

ORAÇÕES SUBORDINADAS

Morfologia : o verbo.