Zygmunt Bauman



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“A incerteza é o habitat natural da vida humana – ainda que a esperança de escapar da incerteza seja o motor das atividades humanas. Escapar da incerteza é um ingrediente fundamental, mesmo que apenas tacitamente presumido, de todas e quaisquer imagens compósitas da felicidade. É por isso que a felicidade ‘genuína’ adequada e total sempre parece residir em algum lugar à frente: tal como o horizonte, que recua quando se tenta chegar mais perto dele.”
A FILOSOFIA DE BAUMAN
O sociólogo polonês Zygmunt Bauman utilizou o conceito de “Modernidade Líquida” (ou “Pós-Modernidade”) como forma de explicar como se processam as relações sociais na atualidade. Para Bauman, a modernidade “sólida”, forjada entre os séculos XIV e XV e cujo apogeu se deu nos séculos XIX e XX, teve como traço básico a ideia de que o homem seria capaz de criar um novo futuro para a sociedade, que cresceria em paralelo a uma vida enraizada em instituições fortes e presentes, como o Estado e a família. A confiança no homem e em sua capacidade de moldar o próprio futuro seria o principal traço desse período.
Segundo Bauman, a partir das últimas décadas, sobretudo após a queda do Muro de Berlim, em 1989, essa modernidade “sólida” estaria em desintegração e seria gradualmente substituída por uma modernidade “líquida”. A palavra liquidez remete à fluidez, ausência de forma definida, velocidade, mobilidade e inconsistência. Esses seriam, para ele, justamente, os traços essenciais das relações sociais na atualidade.
A antiga confiança “sólida” num futuro perfeitamente arquitetado pela razão foi substituída pela incerteza. O futuro tornou-se nebuloso e indefinido. As “distopias” ou as “utopias negativas” ganham força – sabe-se apontar problemas e dificuldades no mundo, mas poucos sabem oferecer alternativas consistentes a esses problemas e dificuldades. Como disse Leo Strauss, “a liberdade sem precedentes também foi acompanhada pela impotência sem precedentes. Criticamos o mundo, nunca estamos satisfeitos, mas raramente sabemos o que fazer com nossas críticas”. O sistema capitalista aparece para esses homens pós-modernos como a única realidade possível, posto que eles duvidam  que o ser humano possa criar uma realidade diferente.
Incertos quanto ao futuro das sociedades, os homens pós-modernos têm fixado suas esperanças e expectativas no presente, no instante e no indivíduo; por todos os lados, os anúncios publicitários e as revistas conclamam as pessoas a “aproveitar o agora”, “pensar em si mesmas”. O ser humano pós-moderno substitui os projetos para o futuro pelo prazer instantâneo, a produção pela especulação, o conteúdo pela performance, a experiência pela flexibilidade e os sonhos pelas ambições.
Além disso, a sociedade líquida, pouco apegada aos seus antecedentes, é obcecada pela novidade: a nova notícia, a nova promoção, o novo carro, a nova rede social. Os laços que uniam os homens ao passado são cortados, e vive-se numa espécie de “eterno presente”. Os produtos se renovam diariamente, e os empresários não temem anunciar que os próprios objetos produzidos já estão “atrasados”. Da mesma forma, os trabalhadores do século XXI vivem numa constante liquidez, numa permanente incerteza e medo de ser “descartados”, posto que a mobilidade e a flexibilidade das empresas são tamanha que, a qualquer momento, cortes inesperados e mudanças de planos podem acontecer. A solidez das convicções, assim, foi substituída pela liquidez do instante. Nos laços amorosos, observa-se a mesma tendência: relacionamentos fluidos, inconstantes e momentâneos caracterizam nossa época, que consagrou o conceito de “ficar”, expressão da liquidez do amor.
Bauman hoje
A noção de “liquidez”, para Bauman, é utilizada inclusive para analisar as guerras e os conflitos do mundo contemporâneo, como o chamado “terrorismo”. A partir do ataque de 11 de setembro de 2001, a natureza da guerra entra em mutação. Torna-se raro, assim, uma guerra entre dois exércitos que se confrontam: a guerra passa a ser, predominantemente, assistemática, isolada, dispersa e assimétrica, com ataques brutais e esporádicos, feitos especialmente a distância, com aeronaves ou drones. Essa é a maneira como a França atacou o Mali ou os Estados Unidos atacaram o Estado Islâmico. Por outro lado, a forma com que os chamados “terroristas” atacam embaixadas norte-americanas e países europeus também tem essas características, ainda que em escalas e intensidades diferentes. A guerra torna-se, assim, “líquida”.
Fonte: https://guiadoestudante.abril.com.br/especiais/zygmunt-bauman/

A Sociologia de Zygmunt Bauman aplicada à redação

Costumo dizer nas minhas aulas que as reflexões e conceitos dele podem ser aplicados em praticamente qualquer assunto da nossa atualidade.
Zygmunt Bauman é autor do conceito de “modernidade líquida” ou “sociedade líquida”, que pretende explicar as transformações que o mundo passou a partir da 2ª Guerra Mundial até os dias atuais.
Após a 2ª Guerra Mundial (1939-1945), a ideia de progresso da humanidade se esvaiu, visto as arbitrariedades que aconteceram neste período, com destaque para o Holocausto dos Judeus e para os mais de 60 milhões de mortos. Em seguida veio a bipolarização do mundo (bloco capitalista americano X bloco socialista soviético), que irá marcar a Guerra Fria (1946-1990), no qual a tensão era enorme (pela primeira vez na História a ameaça de dizimar os seres humanos através do uso da bomba atômica era uma real possibilidade). 
De lá para cá, temos uma intensificação de vários conflitos étnicos e geográficos no mundo. Acompanhamos o desenvolvimento da “Globalização” que vem transformando a paisagem social moderna. Estamos presenciando o medo do terrorismo em escala mundial, os conflitos imigratórios, a superação das barreiras geográficas, uma sociedade do e para o consumo, um sistema econômico capitalista que cada vez mais aumenta as desigualdades sociais, etc.
O panorama acima configura a modernidade líquida ou sociedade líquida. Para Bauman, a modernidade líquida é um mundo sem forma, de incertezas, de medos, de ausência da concepção de progresso e fragilidade nas relações sociais. Este atual momento do período histórico é diferente do que ele denomina de “modernidade sólida”, que começou a ser concebida com o Renascimento (valores do humanismo) e consolidada com o Racionalismo (René Descartes, Francis Bacon, Espinosa) e com o Iluminismo (John Locke, Rousseau, Montesquieu, Voltaire, Kant, etc.).
Na modernidade sólida havia a preocupação de organizar a sociedade através de leis civis e do exercício da ética. Existe a rigidez nas relações sociais entre os sujeitos e as instituições sociais. A crença na razão para que o homem dominasse a natureza e intervisse de maneira a proporcionar o bem-estar coletivo.  O conhecimento era extremamente valorizado, bem como a sua divulgação (lembrar dos Iluministas que debatiam suas ideias nas ruas e nos salões, além de organizar o saber sobre diversos assuntos na Enciclopédia). Os avanços das investigações científicas e filosóficas eram notórios. As principais concepções políticas do século XIX (liberal e marxista), cada um a seu modo, objetivavam o progresso da sociedade e o melhoramento dela.
Contrapondo algumas características da modernidade sólida (XVI-1945), a sociedade líquida (1946-2017) está sem forma definida, um período de transição. A liquidez da sociedade não consegue tomar forma, porque está em constante transformação. Não consegue desenvolver um projeto coletivo de sociedade a longo prazo – a política e suas reivindicações estão cada vez mais fragmentadas. Outra característica marcante para Bauman é que se perdeu a ideia de utopia, o que faz com que se perca o caráter reflexivo em relação à sociedade.
Os indivíduos “líquidos” estão preocupados em buscar o prazer individual, o sucesso individual, abdicando a concepção de bem-estar da coletividade. A atual sociedade está sendo regida cada vez mais pelos valores e regras do Mercado, cujas concepções introjetam no indivíduo as ideias de concorrência, de felicidade no consumo e que o indivíduo basta em si mesmo.
O Mercado não propicia um planejamento de vida, já que os empregos são cada vez mais voláteis, temporários e flexíveis. Se antes alguém entrava numa determinada empresa e se aposentava nela, agora, isso não existe mais (as pessoas passam por várias experiências e são sondadas frequentemente pelo desemprego). O Estado também não consegue colocar em prática aquilo que prometeu, não consegue garantir os direitos sociais básicos. Cada vez mais oferece menos aos cidadãos.
Com o advento da modernidade líquida, a estrutura social moderna em torno da fixidez, da razão e do progresso se dilui. Para o sociólogo polonês, as relações passam a ser voláteis. As instituições sociais passam por uma descrença e não são mais pontos de referência.
A sociedade estrutura suas relações principalmente pelas conexões virtuais, passando a perder ou a desconhecer as noções de intimidade, de privacidade e de individualidade – há uma necessidade de comunicar tudo nas redes sociais, a rotina do dia a dia (desde um café da manhã a uma briga com a namorada) é divulgada.
Costumo brincar com os meus alunos que o cogito de Descartes mudou para: “estou nas redes sociais, logo existo”. Perde-se o tempo interior, a reflexão com a realidade. Isso tem intensificado a solidão e modificado a maneira da produção do trabalho (cada vez mais é incentivado o trabalhador a realizar suas funções em casa e através de aplicativos colaborativos).
Antes de continuarmos, quero chamar sua atenção para que as reflexões realizadas até o momento poderiam ser aplicadas na estrutura argumentativa, por exemplo, na prova discursiva.
Nessa mesma perspectiva, presenciamos a liquidez dos valores. O conhecimento é fragmentado e apressado (como se fosse um fast-food). Mal a pessoa lê uma manchete de revista ou de jornal já acha que domina o assunto. No Brasil é incrível a quantidade de “pensadores” nas redes sociais. Conseguem concordar ou refutar rapidamente uma ideia, sem nenhuma reflexão. É comum encontrarmos pessoas que criticam o pensamento de Marx sem nunca ter lido sequer um livro dele, ou de pessoas que querem definir o pensamento político da direita, sem conhecer nenhum autor desta corrente. Isso é devido ao processo de “aceleramento do tempo”, onde tudo tem que ser feito instantaneamente. Contudo, o conhecimento e a reflexão são processos que levam tempo.
Os valores éticos, os quais são pensados desde a Antiguidade Clássica, estão em crise. Por exemplo, o nosso bom e velho conhecido, o filósofo Aristóteles, dizia que o exercício da ética leva a felicidade e a responsabilidade do indivíduo. Para ele, ética é um hábito, portanto, precisa ser praticada. Para os iluministas, a liberdade de um sujeito termina quando começa a de outro, o que reflete a ideia de bem comum, de respeito. Na sociedade líquida o que interessa é a vontade individual: “se eu quero, eu posso”. A partir disso, a liberdade do outro é desrespeitada. É comum encontrarmos pessoas em lugares coletivos como, por exemplo, no ônibus, ligar o seu celular ou rádio em altura alta, obrigando os demais escutarem a mesma música – isso também se verifica no trânsito ou em outras esferas das relações sociais.
O medo se transforma em uma política tanto do Estado como do Mercado, o que restringe a liberdade. Há o medo do desemprego. Há o medo de se relacionar amorosamente (as relações são frágeis e incertas). O medo de ficar doente e não conseguir atendimento. Há seguros para tudo, que vão desde o seguro de carro ao seguro de vida. A indústria do medo faz com que as pessoas cerquem suas residências, se distancie do contato com outras pessoas e as áreas públicas são evitadas. A violência aumenta em números vertiginosos. As incertezas são diversas.
Por fim, você pode estar se perguntando: “o que fazer?” Geralmente, o sociólogo é aquele pensador que está preocupado em entender a sociedade, e não em fazer previsões ou apontar caminhos a serem seguidos. Bauman nos dá algumas pistas a partir da metáfora que utiliza do “caçador e do jardineiro”.
Para ele, a metáfora que simboliza a era pré-moderna é a do caçador. Sua principal tarefa é defender os terrenos de sua ação de toda e qualquer interferência humana, com objetivo de defender, preservar e conservar o “equilíbrio natural”. A ação do caçador repousa sobre a crença de que as coisas estão no seu melhor momento, de que o mundo é um sistema divino, em que cada criatura tem o seu lugar legítimo e funcional. Por outro lado, a metáfora do jardineiro revela a era moderna. O jardineiro assume que não haveria ordem no mundo, mas ela depende da constante atenção e esforço coletivo de cada um. Sabe que tipo de planta deve crescer ou não, e que tudo está sob seus cuidados. Ele força a sua concepção prévia, o seu enredo, incentivando o crescimento de certos tipos de planta e destruindo aquelas que não são desejáveis, as ervas “daninhas”. É do jardineiro que tendem a sair os mais fervorosos produtores de utopias. “Se ouvimos discursos que pregam o fim das utopias, é porque o jardineiro está sendo trocado, novamente, pela ideia do caçador”.
http://www.estrategiaenem.com/sociologia-de-zygmunt-bauman-aplicada-redacao-enem-concursos-e-vestibulares/

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