RESENHA DE LIVROS PARA REPERTÓRIO SOCIOCULTURAL
OS LIVROS ABAIXO FAZEM PARTE DE UMA LISTA SELETA INDICADOS PARA REPERTÓRIO SOCIOCULTURAL DIRECIONADO À REDAÇÃO DO VESTIBULAR. CONTRIBUI PARA O ENRIQUECIMENTO DA COMPETÊNCIA 3.
"O SOL É PARA TODOS", HARPER LEE
A escritora americana ganhou o Prêmio Pullitzer de Ficção em 1961 por causa dessa obra. O livro O sol é para todos ficou em primeiro lugar na pesquisa na América do Norte, mas também é um dos preferidos dos advogados brasileiros, é considerado um clássico para quem trabalha na área do Direito. Apesar de ser contado por uma criança o livro é crítico, e aborda as injustiças de um julgamento no tribunal do júri em que os jurados movidos pelo clamor público e pelo preconceito enraizado da região condenaram o acusado, um negro, pelo crime de estupro.
A história é sobre um advogado que defende um homem negro acusado de estuprar uma mulher branca na década de 1930 nos Estados Unidos. Por essa breve sinopse é possível perceber que o tema central da obra é o racismo e a injustiça social. A narradora da história é a filha do advogado, que percebe o contraste social e o preconceito do Sul dos EUA.
Por essa breve sinopse é possível perceber que o tema central da obra é o racismo e a injustiça social. A narradora da história é a filha do advogado, uma criança de menos de 10 anos que percebe o contraste social e o preconceito do Sul dos EUA. O negro fora acusado injustamente por estupro com uso de violência, crime este que poderia levá-lo à pena de morte. A sociedade da época, extremamente preconceituosa e racista, já o considerava culpado antes mesmo de acontecer o tribunal do júri. Como foi nos EUA o crime foi para júri. O acusado ficou preso até o julgamento e após os jurados o condenar retornou à cadeia, mesmo com a brilhante defesa de seu advogado, que acreditava fielmente em sua inocência. Assim, os jurados, movidos pelo clamor público e pelo preconceito enraizado da região, condenaram o acusado pelo crime de estupro.
O advogado Atticus o visita na prisão e diz que continuará com sua defesa para o Tribunal Superior e pedir sua liberdade ou um novo júri, porém não tinha como garantir as coisas. O advogado então pede calma ao acusado e diz que está fazendo o possível para sua libertação ocorrer, porém, não podia dar certeza das coisas, o que fez o acusado ficar desiludido e cansado. Tom Robson, desacreditado da "justiça", tenta fugir, e no momento da fuga, no pular o muro é morto a tiros por guardas da penitenciária. A escritora ressalta no livro que os guardas não sabiam que Tom Robson era inocente, teriam atirado em qualquer outro fugitivo. Tom Robson era visto por todos da penitenciária como qualquer outro detento, ou seja, como culpado, como bandido, como estuprador, mesmo sendo inocente.
Se formos pensar no princípio da presunção de inocência a história se complica ainda mais pois não havia ocorrido o trânsito em julgado. Alguns estudiosos do direito chegam a afirmar que na dúvida quanto aos indícios de autoria e materialidade não deveria sequer haver decisão de pronúncia. No caso do livro houve uma desídia do Estado que tinha o dever de resguardar a vida do preso e cumprir com sua função, não apenas punitiva, mas também de trazê-lo de volta a sociedade, ressocializá-lo.
A autora do livro Harper Lee mostra a dificuldade dos filhos do advogado, duas crianças, de entenderem como pode um homem branco condenar um homem pela sua cor de pele tendo uma delas exclamado: será que elas não pensam que podiam ser elas no lugar dele?! Será que não pensam que poderiam também estar sofrendo esta injustiça? Onde está o erro meu pai?! Porque o promotor olha com desprezo para o réu com olhar acusatório? Porque os jurados que julgam e não o juiz? Seria o caso de termos mudanças legislativas? Levando os leitores a inúmeras reflexões. Os filhos do advogado assistem ao júri e torcem pela brilhante defesa do pai e almejam como o pai a inocência do acusado, o que os deixaram revoltados com a decisão dos jurados.
O livro, como já dito, é contado por uma criança, mas uma criança observadora, crítica e que não é preconceituosa nem racista e que acredita sim que o sol deve ser para todos.
Ana Paula D. Garcia
"EU SOU MALALA", MALALA YOUSAFZAI
Sinopse: ”Quando o Talibã tomou controle do vale do Swat, uma menina levantou a voz. Malala Yousafzai recusou-se a permanecer em silêncio e lutou pelo seu direito à educação. Mas em 9 de outubro de 2012, uma terça-feira, ela quase pagou o preço com a vida. Malala foi atingida na cabeça por um tiro à queima-roupa dentro do ônibus no qual voltava da escola. Poucos acreditaram que ela sobreviveria. Mas a recuperação milagrosa de Malala a levou em uma viagem extraordinária de um vale remoto no norte do Paquistão para as salas das Nações Unidas em Nova York. Aos dezesseis anos, ela se tornou um símbolo global de protesto pacífico e a candidata mais jovem da história a receber o Prêmio Nobel da Paz. Eu sou Malala é a história de uma família exilada pelo terrorismo global, da luta pelo direito à educação feminina e dos obstáculos à valorização da mulher em uma sociedade que valoriza filhos homens. […] Sentar numa cadeira, ler meus livros rodeada pelos meus amigos é um direito meu, ela diz numa das últimas passagens do livro. A história de Malala renova a crença na capacidade de uma pessoa de inspirar e modificar o mundo.”
‘’Uma criança, um professor, um livro e uma caneta podem mudar o mundo.’’
Eu sou Malala (I am Malala) foi escrito por Malala Yousafzai com a colaboração da jornalista Christina Lamb, a biografia conta a história da paquistanesa que em 2012, no vale de Swat, foi baleada por um dos adeptos do grupo Talibã quando voltava da escola, a obra evidencia o sofrimento do povo paquistanês, principalmente as mulheres, diante de problemas sociopolíticos e culturais.
Malala sobreviveu e impactou o cenário mundial como sinal de alerta às atrocidades que ocorrem tanto no Paquistão quanto em outros países, em especial a educação, que é privada de milhares de crianças em locais de conflito. Seguimos não só a trajetória de Malala, mas a história de sua família, do seu país e de tantas outras meninas que passam por dificuldade. A obra contém bastante conteúdo sobre a sua religião, o islã, e de seu grupo étnico, os pashtun, fazendo pequenas referências pessoais como os seus livros favoritos, filmes e música, a leitura é bastante envolvente com uma linguagem simples que engloba amplo público.
‘’Quem é Malala?’’, o livro começa no dia fatídico, um homem adentra no pequeno ônibus a procura de Malala, que nos últimos tempos tinha ganhado notoriedade por palestras pró-educação e criticava o Talibã, ela não teve oportunidade de responder ao seu algoz, ele atira na única garota que não usava o véu, agora ela tem a oportunidade de responder: ‘’Eu sou Malala, e essa é minha história’’.
Nos capítulos seguintes conhecemos a origem de seu nome, inspirado em uma heroína chamada Malalai de Mainwand a ‘’Joana D’Arc pashtun’’, de como seus pais se conheceram quebrando o tabu da época, um casamento por amor, além da vida profissional do pai como diretor de uma escola que passou a receber ameaças e partes angustiantes: o inicio do controle do Talibã no vale de Swat, execuções, ataques de drones (geralmente dos EUA) e a perseguição às meninas, tanto no meio social quanto familiar.
A religião para Malala é muito importante, o livro de certa maneira desconstrói o esteriótipo dos adeptos do islã fazendo duras criticas ao Talibã, como conta no trecho: ‘’O Talibã é contra a educação porque pensa que quando uma criança lê livros ou aprende inglês ou estuda ciência ele ou ela vai se ocidentalizar’’, no que retruca Malala: ‘’Educação não é oriental nem ocidental, é humana’’. Em outro trecho, Malala fala sobre a condição feminina e o Alcorão, livro sagrado dos muçulmanos: ‘’[…] Queremos ser livres para ir à escola ou para ir trabalhar. Não há nenhum trecho do Corão, que obrigue a mulher a depender do homem. Nenhuma mensagem dos céus estabeleceu que toda mulher deve ouvir um homem’’.
Muitas pessoas pensam que Malala é fruto de seu pai que de certa forma motivou a filha a lutar pelo direito das crianças de irem à escola, mas nunca a obrigou. No documentário quando dizem que o pai escolheu essa vida para ela, a sua resposta foi: ‘’Não. Meu pai só me deu o nome de Malala, ele não me fez Malala, eu escolhi essa vida, não fui forçada, não me mandaram rever essa vida, eu escolhi essa vida e agora devo continuar’’.
Para finalizar, fiquei bastante surpreso pelas referências literárias de Malala e servem de inspiração para as próximas leituras, desde Ana Karenina de Tolstoi, Sherlock Holmes, a autora Jane Austen é citada, O Mágico de Oz e até mesmo Crepúsculo. Apesar de não ser especifica no livro, ela admite no documentário que alguns de seus livros favoritos são O Alquimista, do brasileiro Paulo Coelho, e Uma Breve História do Tempo, do físico inglês Stephen Hawking. Malala também teve grande influência na cultura POP, como por exemplo, nos quadrinhos a nova Miss Marvel de origem paquistanesa chamada Kamala.
"FELIZ ANO VELHO", MARCELO RUBENS PAIVA
“Você já imaginou uma mãe de cinco crianças ter a sua casa invadida por soldados armados com metralhadoras, levarem seu marido sem nenhuma explicação e desaparecerem com ele? Já imaginou essa mãe também ser presa no dia seguinte, com sua filha de quinze anos, sem nenhuma explicação? Ser torturada psicologicamente e depois ser solta sem nenhuma acusação? Já imaginou essa mãe, depois, pedir explicações aos militares e eles afirmarem que ela nunca fora presa e que seu marido também não estava preso? [...]. É duro, né? Nem Kafka teria pensado em tamanho absurdo.” (PAIVA, 2015, p. 37/38)
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Feliz Ano Velho é um dos poucos livros obrigatórios que tive que ler no ensino médio que realmente gostei. Tanto a estória de Marcelo, quanto sua narrativa, são extremamente envolventes, e desde aquela época desejava reler a obra.
Em dezembro de 1979, quando tinha 20 anos, Marcelo mergulhou de cabeça em um lago com pouca profundidade. Como resultado, fraturou uma vértebra e ficou tetraplégico. Em Feliz Ano Velho, ele relata sua jornada após o acidente, e também conta episódios de sua vida.
Marcelo é absolutamente honesto e compartilha de tudo com o leitor: a impaciência com a recuperação, sua adaptação a nova realidade, a comoção gerada entre familiares e amigos, a vida de estudante de Engenharia Agrícola, as aspirações musicais, as muitas namoradas e seu relacionamento com seu pai.
O pai de Marcelo, Rubens Paiva, foi deputado federal e teve seu mandado cassado após o Golpe Militar. Em 1971, a casa do político foi invadida por militares que o prenderam, assim como a sua esposa e filha mais velha. Marcelo, na época uma criança com onze anos, assistiu a tudo sem entender o que estava acontecendo. E foi assim que cresceu, pois o governo negou que Rubens tivesse sido detido, e a família somente recebeu a confirmação de sua morte em 2014, em função dos trabalhos da Comissão da Verdade.
Apesar de crescer sem o pai e sofrer o grave acidente que lhe roubou parte dos movimentos, Marcelo não se faz de vítima, nem de derrotado. Apesar de declarar que não escreveu o livro com a intenção de inspirar seus leitores, é impossível ler Feliz Ano Velho e não sentir uma injeção de ânimo. É impossível ler Feliz Ano Velho e não se sentir grato por viver em uma democracia.
Porém, deixo claro que o desaparecimento de Rubens Paiva está longe de ser o cerne da obra. Marcelo intercala sua jornada de recuperação com inúmeros episódios de sua infância e juventude, incluindo os trágicos eventos que ocorreram em 1971.
A narrativa do autor é peculiar. Fiquei com a impressão que Marcelo sentou em frente à máquina de escrever e colocou todos os pensamentos e sentimentos no papel, sem papas na língua e sem censura. O mais impressionante é que Marcelo é autêntico, e se revela ao leitor com todas as suas qualidades e defeitos, sem se importar com o julgamento alheio. E esta característica faz com que a narrativa seja extremamente fluída, de modo que o leitor não vê as páginas avançarem.
Mesmo tendo sido publicada originalmente em 1982, a obra permanece mais atual do que nunca. Seja por mostrar ao leitor que vale a pena viver e lutar pela vida, seja por nos lembrar de um episódio vergonhoso da história da nossa nação. Muito mais que um livro de entretenimento, Feliz Ano Velho é uma biografia emocionante e impactante, que consegue ser, ao mesmo tempo, uma lição de vida e uma aula de história.
O autor lançou recentemente Ainda Estou Aqui (resenha em breve), livro de memórias em que se aprofunda na estória de sua família.
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