OBRAS IMPORTANTES PARA USO NA REDAÇÃO

 1.



Brasil: Uma Biografia 

Brasil: uma biografia

Brasil: uma Biografia, livro de Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling publicado pela Companhia das Letras, confirma a tese de Le Goff: longe de ser uma coleção de tudo o que se pode e tudo o que se deve saber sobre a personagem escolhida, o Brasil, é um estudo aprofundado e erudito, além de possuir uma capacidade sintética impressionante. Coincidentemente, a biografia de um país repleto de contradições foi lançada na mesma época em que o Supremo Tribunal Federal permitiu, por maioria de votos, a produção de biografias não autorizadas, no triste julgamento de uma ação proposta por artistas – muitos deles analisados com reverência em Brasil –, contra a liberdade de expressão.

Na introdução anuncia-se a qualidade da obra, com uma escrita fluente, leve, mas densa nas análises. O livro das historiadoras nos conduz com grande erudição por descobertas sucessivas. Como a do “familismo”, ou nossa mania de aproximar as pessoas importantes pelo primeiro nome, deixando de lado a tradição do sobrenome como dignificação do caráter. A biografia nos revela que quase todos os nossos presidentes são conhecidos pelo nome ou apelido: Getúlio, Jango, Juscelino, Fernando Henrique e Lula. Não sem razão, os ditadores são nomes de família: Médici, Geisel e Castelo Branco.

O biografado teve sua curta vida (para parâmetros africanos, europeus ou asiáticos) dividida em dezoito capítulos. Os oito primeiros tratam do Período Colonial, quatro capítulos sobre a Independência e o Império e os seis últimos sobre a República. Há ainda uma conclusão com os fatos mais recentes do país e um desnecessário pedido de desculpa.

Destaque-se a monumental pesquisa bibliográfica das autoras, dando conta de centenas de obras clássicas de todos os períodos de nossa história. Não faltaram os estudos regionais e análises centrais de eventos ocorridos ao longo desses cinco séculos. Impressiona também a atualização das fontes: a dupla percorreu o que há de mais recente na produção historiográfica do país, adicionando conhecimentos históricos produzidos até 2014. Tal bibliografia se tornará, certamente, uma obra de referência e consulta obrigatória para qualquer historiador do país.

Sente-se a ausência de alguns historiadores vitais para certos períodos. Nesse esquecimento podemos citar o mais importante pesquisador da República Velha e do Movimento Operário, Edgar Carone. Outro não utilizado foi Jacob Gorender. Sua obra Combate nas Trevas, além da exatidão interpretativa das esquerdas no Brasil dos anos 1930 a 1980, conta com o relato de um participante ativo dos fatos narrados. Mas, como diz Le Goff, não se pode dar conta de tudo.

Completam a bibliografia uma interessante cronologia histórica e um importante índice remissivo, por conta de enxurrada de citações e personagens históricos que passaram pelo Brasil. Temos também três belíssimas coleções com quase 150 ilustrações, todas com fontes e interpretações que se tornam uma história à parte.

No primeiro capítulo, encontramos a descrição do contexto histórico que levou à descoberta. Conhecemos detalhes sobre a viagem de Cabral que nos transportam no tempo e no espaço: vemos as caravelas aportar e os portugueses se apossarem da terra, como se estivéssemos numa sala de cinema. As autoras iniciam seu trabalho de desconstrução dos mitos sobre a história do biografado. Longe de ser uma terra pacífica, de uma colonização sem conflitos, o Brasil tem sua história marcada por sangue, violência, exclusão e resistência. O próprio nome que nos batiza denota essa luta permanente: somos a terra do pau de tinta ou do pau da cruz? Venceu a primeira, dos mercadores e escravistas, abençoados pela segunda.

Nos capítulos 2 e 3 temos a montagem do sistema colonial, a necessidade do açúcar e as motivações do trabalho escravo. Há uma profunda análise sobre a crise do sistema colonial pouco depois de sua instalação com a invasão holandesa e posteriormente com a concorrência antilhana. Ao descrever a missão holandesa e as profundas transformações por que passou o Brasil holandês, especialmente no período de Maurício de Nassau, as historiadoras nos dão um contraponto à administração portuguesa, mas sem nenhum espaço para o julgamento enviesado do “ah, se não fossem os portugueses”.

Se de um lado a cana enriqueceu muitos senhores e o reino além-mar, de outro veio alicerçada em sofrimento intenso dos negros e em menor parcela dos “negros da terra”. A crueldade, a violência sem tamanho e o genocídio de dezenas de etnias africanas aparecem sem retoques e tampouco açucarados pela tese da “democracia racial”, tão difundida em nosso país. Veem-se a pouca possibilidade da família escrava e o incentivo à desagregação de laços entre as comunidades escravas, para favorecer os interesses da sacarocracia. Diante de tanto padecimento, cabia ao negro três caminhos: a negociação cotidiana; a resistência individual por meio de fugas (na maioria das vezes frustradas), suicídios, infanticídios ou do “banzo”; e, por último, pelo estabelecimento dos quilombos, que pipocaram pelo Brasil ao longo dos quase quatro séculos de escravidão.

A sanha do ouro aparece no quarto capítulo. Finalmente, em fins do 17, Portugal encontra o que sempre viera buscar na colônia: metais preciosos. As diversas minas foram organizadas e tornaram-se Gerais. O reino controlava toda a produção e, além disso, impunha extorsivos impostos e taxações diversas. A ideia era retirar o máximo possível do Brasil e quem sabe encontrar um Potosí dourado pelas terras mineiras. Desenvolveu-se a mineração, mas mais uma vez de forma excludente, desordenada e com muito sofrimento da população trabalhadora. Se os dois primeiros séculos foram terríveis para índios e negros, esse terceiro foi lastimável para todos, menos para os donos do garimpo e a elite portuguesa, de cá e de lá. A corrida pelo ouro levou a um abandono da produção de subsistência.

A seguir as historiadoras descrevem diversas rebeliões pré-independência. Introduzem temas novos e pouco estudados como a Revolta da Cachaça, em que acabam nos contando sobre a origem do nome Ilha do Governador e da Ponta do Galeão, ambos ligados ao perdulário e megalomaníaco governador Sá e Benevides. As rebeliões foram importantes instrumentos de pressão e resistência aos desmandos do poder. Sedições ocorreram em Pernambuco, Sergipe, Bahia, Maranhão, nas Minas e São Paulo, e foram tantas e tão corriqueiras num país “pacato e cordial” que se criou uma denominação associada a cada grau de participação popular ou de insubordinação. Assim, de acordo com o número de participantes e o grau proporcional de violência e lutas, as contestações populares eram denominadas motins, sedições, rebeliões, revoltas ou conjurações. Temos análises da produção literária e artística por toda a obra. A narração da Confederação dos Tamoios de Hans Staden em capítulo anterior e a visão crítica sobre os poetas árcades são primorosas. Aliás, a caracterização do romantismo e a fase indigenista com I-Juca Pirama de Gonçalves Dias e as obras de José de Alencar também enchem os olhos de qualquer leitor, seja ou não um historiador. Ficou uma lacuna neste capítulo sobre o período pombalino na colônia.

As desventuras da família real portuguesa na sua fuga para o Brasil em 1808 é o sexto capítulo. Quais as motivações de d. João VI e sua corte de se mudarem de mala, cuia e ouro para a colônia. O retrato do rei português, entretanto, mantém na maioria das vezes a visão, hoje criticada, de Oliveira Viana. D. João era um banana e indeciso. O certo é que a estratégia foi vitoriosa. Os números variam, mas entre 7 mil e 10 mil membros da alta nobreza portuguesa acompanharam a família real lusitana, incluindo aí centenas de servidores do reino. As dezenas de embarcações trouxeram tudo o que puderam de ouro, riquezas diversas e vestimentas. O Brasil virara uma imensa Portugal.

“D. João e seu reino americano” vem a seguir. Aos poucos a face da capital (o Rio de Janeiro) foi remodelada (e posteriormente passaria por mais duas reformas, como explicam as historiadoras). Era necessário dar ares mais europeus àquela terra de negros. Propriedades foram confiscadas, palácios foram erguidos, uma nova safra de artistas e cientistas veio para a colônia retratar e estudar o quase Reino Unido. Construiu-se a estrutura física, era agora necessário mobiliar as repartições. Aos poucos d. João VI instituiu um corpo burocrático e apoiou-se em três ministros para governar, os três relógios: um atrasado (d. Fernando Portugal), outro parado (visconde de Anadia) e um adiantado (d. Rodrigo). O povo satirizava o poder.

Encontramos no capítulo 8 a descrição das artimanhas e descontinuidades do jogo político da sucessão, seja em Portugal, seja no Brasil. A intrincada disputa pelo poder entre grupos políticos nos dois países, uma metrópole e uma colônia as beiras da independência, é esmiuçada ponto a ponto. D. João VI primeiro ficaria, mas a Revolução do Porto de 1820 o leva de volta a Portugal. Deixa Pedro por aqui, este titubeia, cisca para os dois lados, e acaba ficando. Sendo que originalmente, nos contam as autoras, nunca disse a famosa frase “Se é para o bem do povo e felicidade geral da nação, digo que fico”.

Com muito humor vemos que a Proclamação teve muito mais proximidade com uma visita do futuro imperador do Brasil à sua amante em Santos e a parada nas proximidades do Ipiranga com um desarranjo intestinal do que nos canta em versos e prosa a História Oficial. A independência estava definida havia tempos. O “grito” foi ato simbólico; o painel imenso do 7 de Setembro no Museu Paulista, trata-se de uma criação construindo uma realidade inexistente, como bem ressaltam as autoras. Esta é uma tradição recorrente das elites, segundo as historiadoras: transformar vultos da história em heróis, construir um mito em volta dos próceres da nação e imortalizá-los, tentando apagar a verdade. Foi assim com Pedro I, depois muito bem planejado com Pedro II e, no nascimento da República, com um Tiradentes cristianizado, de roupas brancas, barbas longas, olhos claros e deitado em cruz.

O conturbado período que inaugura a independência é o de d. Pedro I. Irascível, mundano e despreparado, o primeiro imperador desagradou a todos. Assumiu com uma grande dívida a pagar pela independência, além disso os gastos cresceram com a repressão à Confederação do Equador e a aventura internacional da Guerra da Cisplatina (quase meio século depois seu filho terá problemas com outro conflito externo, o Paraguai). Internamente, havia a proibição e a restrição cada vez mais severa ao tráfico negreiro por parte da Inglaterra. O açúcar, que definhara em rendas ao longo dos séculos, sofria a concorrência da beterraba europeia. Havia ainda o temor de que se repetisse no Brasil – país que concentrou o maior número de escravos do período colonial, com cerca de 40% do total mundial – o fenômeno da Revolução de Negros no Haiti. No campo legal, Pedro I anula a Constituição elaborada pelas elites entre 1822 e 1823 e impõe sua versão centralista e autoritária, com um quarto poder, o Moderador. A crise atingiu a imprensa livre que havia nascido no período joanino. Líbero Badaró, jornalista da oposição, é assassinado em novembro de 1830. Mesmo sem responsabilidade, o imperador é culpado pelo povo. Toda essa somatória de erros levou à abdicação, em 1831. Saía de cena um problema, nascia outro: o herdeiro Pedro, futuro II, ainda iria fazer 6 anos e não poderia assumir.

Começava o período regencial. As rebeliões regenciais ganham destaque. Cabanagem, Sabinada e Balaiada recebem análises sintéticas e profundas, deixando-se pouco espaço para as cansativas (para historiadores) disputas entre saquaremas e luzias, além das alternâncias entre duas regências trinas e duas regências unas, afinal, por causa da menoridade de Pedro. Coube um espaço especial (corretíssimo, por sinal) às muitas revoltas dos malês na Bahia.

Destacou-se a importância da religião islâmica e do caráter letrado dos rebeldes. Descobrimos até que a palavra “candomblé” foi utilizada pela primeira vez para definir o lugar onde se alojavam os escravos rebeldes e foragidos. Por último, uma interpretação da Farroupilha. Apesar da erudição e da importância das letras na biografia brasileira, as autoras deixaram de associar às guerras regenciais do Sul o majestoso romance O Tempo e o Vento, de Erico Verissimo.

Superada a questão da maioridade, d. Pedro II, agora imperador coroado, iria administrar e, essencialmente, construir toda uma prática política e uma simbologia do poder. O governante das pernas finas e bambas, das barbas cultivadas ao longo do tempo – fartas e aconchegantes —, o imperador cientista, que costumava se ausentar do poder por meses em viagens ao exterior, como se não tivesse obrigações por aqui, o aficionado por novas tecnologias em plena Segunda Revolução Industrial (mas não para incentivar uma industrialização no país). Conhecemos até segredos de alcova, como a amante francesa, fato plenamente “justificado” por ter ele se casado por encomenda nas transações monárquicas com uma imperatriz feia – descrita como baixotinha, manca e gorducha –, mas dotada de virtudes administrativas impecáveis, exemplificadas pelas medidas corretas tomadas nas ausências prolongadas do imperador.

Em “Ela vai cair: o fim da monarquia no Brasil”, vemos a importância da Guerra do Paraguai na queda da monarquia. Há uma interpretação das motivações do conflito. Em verdade, as autoras nos apresentam as três versões mais usuais: a justificativa do conflito pelos interesses do imperialismo ianque; o genocídio americano, com a tentativa de extirpar Solano Lopez, um Fidel Castro do século 19; e, por último, a mais aceita, ter se tratado de um conflito pelas fronteiras geopolíticas da região do Prata. Há relatos detalhados das batalhas, das lutas e interesses em jogo, destaca-se a figura de Caxias, mas talvez um dos problemas da obra em algumas passagens seja a valorização excessiva dos comandantes e o pouco espaço dado às pessoas comuns. A participação dos negros (a grande maioria dos combatentes do lado brasileiro) é citada brevemente e nada se falou do Corpo de Voluntários da Pátria.

Entre outros fatores da queda do Império, as historiadoras desnudam os vários matizes da campanha abolicionista e também do movimento republicano. Mas d. Pedro II – o “monarca da casaca”, como o apelidou Eça de Queirós – cometeu vários erros, entre os quais fazer um tour pela Europa em plena crise econômica e política no Brasil. Sucedem-se as falhas: perde-se a base de apoio com a Abolição em 1888, desagrada-se aos cafeicultores em ascensão política, esquece-se do Exército (maior e mais poderoso após o conflito do Prata), desafia-se a Igreja e, por último, aumentam-se os gastos públicos de forma excessiva e perdulária. Eventos como o Baile da Ilha Fiscal, as vésperas do golpe de 1889, são escancarados pela imprensa livre e crítica. O imperador escorrega e cai.

“A Primeira República e o povo nas ruas” talvez seja o capítulo com mais lacunas na excelente biografia. Quase todos os nossos governantes contaram com descrições detalhadas de seus gestos políticos e até curiosidades pessoais (como a devassidão de d. Pedro I, os discursos monótonos de Getúlio – análise da qual discordo totalmente –, as caspas e os cabelos desalinhados de Jânio e o presidente playboy Jango, entre outros), fatos que nos permitiram aproximar de forma crítica do poder e desautorizar as interpretações ideológicas e a constante necessidade de busca de um “salvador da pátria” em nossa história. Os treze presidentes da República Velha, porém, mereceram poucas páginas, muitos deles citados de passagem, como Afonso Pena, Wenceslau Brás e Artur Bernardes. Também pouca atenção foi dada às profundas transformações econômicas por que passou o país nas quatro décadas iniciais da República. A gestação de nossa revolução urbano-industrial é desconsiderada na biografia, perdendo o leitor a meada da construção material da Nação, obrigado a dar um salto entre a Abolição e as legislações trabalhistas dos anos 1930. Destaquem-se a interpretação inovadora das questões sociais do período e a explanação da Semana de Arte Moderna de 1922.

No capítulo seguinte encontramos o período getulista em todas as suas fases, menos a democrática. O golpe que levou o gaúcho de São Borja ao poder e seu governo entre 1930 e 1945. As disputas com São Paulo que desembocaram na Guerra Civil de 1932, conhecida em terras paulistas por “Revolução Constitucionalista”, detalhada em suas batalhas e lutas. Vitorioso, Getúlio, hábil mediador e manipulador, aos poucos aprova uma Constituição (mantendo-se no poder), fortalece a legislação trabalhista e a consolida, posteriormente, em 1º de maio de 1943, amansando as lutas sociais. Apropria-se das práticas da direita fascista do Integralismo e aproxima-se dos interesses da quase comunista ANL. Inicia a industrialização de base, sob controle do Estado, e tenta eternizar-se no poder com o Estado Novo, o golpe dentro do golpe, que bota na cadeia esquerda e direita e dá ares fascistas ao “Velho”.

Vemos com as historiadoras que, ao mesmo tempo em que se encastela no poder, Getúlio ajuda a popularizar o rádio, o cinema, o samba, estimula a institucionalização do carnaval e legaliza a dança-luta capoeira. Popular e populista, fazia seus comícios no Estádio de São Januário, sede do Clube de Regatas Vasco da Gama, o time de origem mais popular no Rio, que nos anos 1930 e 1940 contava com um esquadrão imbatível com a maioria de jogadores negros, ao contrário do Fluminense, time da elite branca e do pó-de-arroz em jogadores “morenos”.
As autoras continuam com suas descobertas e esclarecimentos. Uma delas é sobre o cinema, seja o Cinema Novo nos anos 1960, a Vera Cruz e a Atlântida nos anos 1950 ou o sucesso de Carmen Miranda no período getulista. Construiu-se durante o período a identidade mestiça, valorizada e exportável. Não sem razão três obras centrais nasceram nesse período: Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre; Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque; e Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Jr. O país parecia encontrar sua face.

O 15º capítulo trata quase exclusivamente da análise política da curta democracia de 1946 a 1964. Temos o nascimento dos partidos PSD, PTB e a oposição UDN. Mostra o errático e “entreguista” governo Dutra e o movimento Queremista em 1949 e 1950, trazendo o retrato do Velho de volta. As intrigas políticas que levaram à morte de Getúlio. O fracasso da primeira tentativa de golpe perpetrada por Carlos Lacerda com o suicídio de agosto de 1954. O udenista carioca tornou-se o abutre da democracia e teve papel decisivo nas quedas de Getúlio, Jânio e Jango, além da tentativa de golpe contra Juscelino. Mandava nos grupos conservadores, assim como Pinheiro Machado (também esquecido na biografia) era a eminência parda de boa parte da República Velha, porém este “mandou” mais. A narração do suicídio de Getúlio parece o roteiro eletrizante de um excelente documentário: as autoras nos transportam para a tensão do Catete e o desespero popular após os tiros que tiraram a vida de Vargas.

A geração “bossa nova” chega ao poder com Juscelino Kubitschek. Não sem tentativas golpistas, abortadas pelo marechal Teixeira Lott. JK buscou seguir o Plano de Metas, integrando o país e criando as condições da construção de um país moderno que teria um crescimento exponencial (os cinquenta anos em cinco, da campanha). Abriu estradas, interligou o Centro-Oeste ao Norte, construiu em tempo recorde a nova capital, Brasília. Como denominaram as autoras: era um vendedor de sonhos, de riso fácil e determinação ímpar. Abriu caminho para a internacionalização de nossa economia e o aparecimento de uma sociedade de consumo. A “era dourada” contou ainda com o aparecimento da televisão, do Cinema Novo e da música para exportação, a bossa nova. Pelé deslumbrava o mundo na Suécia (não citado na biografia, como todo o futebol ficou de fora) e o país parecia ter dado certo – afinal, o crescimento econômico beirou os dois dígitos nos cinco anos de mandato.

Estrategista, JK percebeu a crise que viria no mandato seguinte: inflação em alta, crescimento pequeno e endividamento externo. Não fez nem quis fazer o sucessor; entregou ao aventureiro moralista e bonachão, Jânio Quadros, a faixa presidencial. Juscelino pensara corretamente que Jânio seria destroçado pela crise e, dessa forma, poderia voltar como o vendedor de ilusões em 1965. Só não pôde imaginar a renúncia de Jânio e o golpe de 1964, que terminaram por alijá-lo definitivamente do poder.

O capítulo sobre a ditadura militar é um manual para ser lido por centenas de brasileiros que andam pregando a volta dos militares ao poder. Se nos primeiros dez anos o crescimento econômico foi excelente (o dito “milagre”), a segunda metade dos anos de chumbo foi terrível: inflação galopante (como se falava então), carestia econômica, desemprego, concentração de renda, arrocho e brutal endividamento externo. Ao mesmo tempo havia a censura aos meios de comunicação e às artes em geral. Mas o período foi marcado por extrema violência, torturas, assassinatos, arbitrariedades policiais contra os “inimigos” da Nação. Temos no capítulo um pequeno inventário das atrocidades cometidas pelo dr. Go, os serviços de “segurança” e os presidentes autoritários que preferiam cheiro de cavalo a cheiro de povo.

Como o livro é uma biografia, digamos que seria um período em que o biografado procuraria esquecer pelo resto da existência algo tão traumático e doloroso quanto a escravidão e o extermínio sucessivo e secular dos índios (como apresentado várias vezes no estudo). Muitos resistiram, muitos lutaram, muitos perderam a vida defendendo a democracia e a volta do país aos eixos. A maioria sofria calada. Nunca foi tão perigoso ser estudante no Brasil, como dizem as historiadoras, e com razão. Citam as mortes de Edson Luís e de Alexandre Vanucchi. Exageraram um pouco no papel da Libelu, ao caracterizá-la como “a quintessência dessa geração”. Seja na música, na política, no movimento estudantil, na luta armada, para conforto de nossa história, o povo não assistiu calado nem pacificamente ao baú de maldades indescritíveis perpetrados pelos 21 anos de ditadura.

Numa narrativa envolvente, vemos o reaparecimento da democracia, não por vontade própria dos ditadores, mas sim por méritos das lutas políticas e sociais dos brasileiros. Fala do nascimento do novo sindicalismo com a CUT. Da formação do Partido dos Trabalhadores e a liderança do “futuro” presidente Lula. Do papel crucial da Igreja Católica e da Teologia da Libertação e suas Comunidades Eclesiais de Base.  Apresenta também a importância dos partidos de centro, como o PMDB e a figura de Ulysses Guimarães, e o PFL, de um matreiro José Sarney (talvez, ao lado de Collor, o presidente mais criticado pelas historiadoras). Mostra o nascimento da centro-esquerda com o PSDB e sua liderança principal, Fernando Henrique Cardoso. As autoras atribuem à falecida esposa de FHC, a socióloga Ruth Cardoso, o estímulo à sua entrada na política, cometendo um pequeno equívoco: afirmam que ele teria começado na política em 1983 como senador, mas na verdade sua primeira candidatura deu-se em 1978 como suplente do senador eleito Franco Montoro (cinco anos depois, quando este se tornou o primeiro governador eleito diretamente por São Paulo, depois de quase vinte anos, FHC assumiu a cadeira no Senado). Narram ainda com precisão os embates que levaram à instituição da Constituição cidadã de 1988 e a volta das eleições diretas entre 1982 e 1989. Fazem até a crítica da campanha de Collor e o debate editado pela Rede Globo, a qual é tratada com visão crítica em várias outras passagens, seja da tentativa de não apoiar as Diretas Já em 1984, seja da tentativa de fraude na vitória de Brizola em 1982 no Rio, a “dupla vitória”, como bem lembrado por elas.

Em tempos de retrocesso político e tentativas por parte de um Congresso ultraconservador eleito em 2014 de fazer uma miniconstituinte para destruir conquistas históricas, as historiadoras terminam o capítulo e a obra com um recado e um alerta.

A conclusão apresenta uma visão otimista da vida futura do biografado. Fala da importância dos três últimos presidentes eleitos para dois mandatos cada um: o intelectual refinado Fernando Henrique, o operário das lutas sociais Lula e a primeira mulher a governar o país, Dilma Rousseff. Atualiza as informações com os desdobramentos do “mensalão”, a crise da corrupção e os movimentos sociais de junho de 2013, quando o povo voltou às ruas. Terminam a importante obra de forma crítica e otimista:

“Toda história é aberta, plural, e permite muitas interpretações. A que tentamos desenhar aqui mostrou o quanto vem sendo difícil a nossa construção cidadã. De toda forma, os desafios para que se altere o imperfeito republicanismo do Brasil são muitos: a sua persistente fragilidade institucional, a corrupção renitente, o bem público pensado como coisa privada. A grande utopia quem sabe ainda seja acolhermos os valores que têm como direção a construção do que é público, do que é comum. Talvez comece nesse desafio mais um capítulo da história do Brasil. Afinal, feita a opção democrática, também a República pode recomeçar”.

Podemos dizer que a biografia brasileira está escrita. Não como obra definitiva, e nem poderia sê-lo. O estudo em questão merece ser lido, relido e, se possível, levado a todos os cantos do biografado, afinal muitos por aqui têm o hábito de desconhecer tal história. Digamos, por último, que as autoras terão sérios problemas judiciais com a família do Brasil, pois muitos ficarão descontentes com a revelação da face desnuda de quem tanto amamos.

Martinho Milani é escritor e doutorando em História Econômica na Universidade de São Paulo

2.

Amor Líquido


Amor Líquido - Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos - Bauman, Zygmunt 

Amor Líquido – Zygmunt Bauman: Uma Resenha

Amor Líquido de Zygmunt Bauman é uma obra chave. Nele, análises da forma e as mudanças de como as pessoas se relacionam são exploradas.

Este é o livro mais popular de Zygmunt Bauman no Brasil e não é uma grande surpresa. É em Amor Líquido que o autor elabora análises próxima ao cotidiano, se concentrando em relações amorosas (até mais, analisando as relações sociais como um todo) e fornecendo material para entendermos o que é a liquidez do mundo moderno.

Amor Líquido: Sobre A Fragilidade dos Laços Humanos

Uma coisa é clara em suas obras: vivemos em um mundo de incerteza, extrema insegurança em relação à duração da ordem política e à estabilidade de cada sujeito dentro da sociedade. São tempos de relações sociais frágeis, que cada vez mais se tornam relações mercantilizadas e individualizadas. Não há um referencial moral, uma lado a seguir (como na época da divisão do mundo entre o Bloco Capitalista e o Bloco Comunista): estão todos jogados à responsabilidade e risco de seguirem e construírem suas vidas sem porto seguro nenhum.

Neste contexto, a relação social, pautada em uma responsabilidade mútua entre as partes que se relacionam, é trocada por um outro tipo de relação que o autor chama de conexão. Ele tira esta palavra das análises de relacionamentos em sites de encontros. Em suas pesquisas ele percebe que o grande agrado dos sites de encontros está na facilidade de esquecer o outro, de se desconectar.

Sem pressão para estabelecer responsabilidade mútua entre seus participantes,  o relacionamento se torna frágil, uma mera conexão, nova forma vigente de se relacionar na modernidade líquida. Todos podem, sem o menor remorso, trocar seus parceiros por outros melhores. Desta forma, a maior utilidade do termo “conexão” é evidenciar a facilidade de se desconectar.

Para Bauman, quando a qualidade das relações diminui vertiginosamente, a tendência é tentar recompensá-la com uma quantidade absurda de parceiros. Talvez um bom exemplo seja, também, a quantidade de amigos que as pessoas costumam ter em redes sociais. São números que ultrapassam 300, 500 amigos, algo que seria irreal para uma convivência cotidiana de qualidade.

Zygmunt Bauman relaciona afinidade e parentesco

Para tentar explicar a relação amorosa em Amor Líquido, Zygmunt Bauman utiliza das categorias de Afinidade e Parentesco: 

  • O parentesco seria o laço irredutível e inquebrável. É o laço de sangue (mesmo que tenha uma significação cultural maior que biológica), é aquilo que não nos dá escolha. O parentesco é aquilo que se impõe desde que nascemos e que é impossível renegar. Mesmo que não gostemos, nossos parentes serão nossos parentes para sempre e a cultura nos prescreve obrigações e direitos rígidos em relação a eles.
  • A afinidade é, ao contrário do parentesco, eletiva. A afinidade é escolhida, num processo que pode resultar na firmação da afinidade ou na rejeição. Sempre há a possibilidade de voltar atrás e deixar tudo de lado. Porém, e isso é importante, o objetivo da afinidade é ser como o parentesco.

Bauman, em Amor Líquido, afirma que até mesmo a afinidade está se tornando algo pouco comum em uma sociedade de extrema descartabilidade. Não há razão para caminhar à afinidade, sendo que não há o menor objetivo em firmar um laço que seja parecido com o parentesco. Não há objetivo de fixidez. As relações se desenvolvem com aquilo que já se tem, não com aquilo que ambos estão a fim de ter. Não se arrisca, por exemplo, a amar sinceramente (se entregar).

Isso pode ser levado para o campo político: é na falta do verdadeiro amor que a militância se perde. Não há amor pela causa, não há rigidez em relação aos seus objetivos, não há tentativa de manter um relacionamento com o programa de um coletivo, de um partido ou de um movimento. Essa fixidez é renegada a favor da livre escolha, da decisão individual, que obriga o indivíduo a estar sempre disponível para voltar atrás.

Ferramentas de socialização

A dificuldade em lidar com o outro está na falta das ferramentas necessárias para se iniciar um relacionamento. Nas obras de Zygmunt Bauman, está posto que as novas formas de se relacionar se opõem às antigas, sendo que a habilidade com as primeiras reduz a capacidade com as últimas.

O contato via rede social tomou o lugar de boa parte dos solteiros que iriam para bares em busca de parceiros, no entanto, os poucos que ainda os frequentam, não sabem mais como se relacionar em tal ambiente.

A situação de extrema insegurança e incerteza também se relaciona com a incapacidade de amar o próximo. O que quero dizer? Se o outro é sempre um possível agressor e um alguém que nos tira a possibilidade de aproveitar a vida de maneira plena, então não há sentido em amá-lo (no sentido pleno da palavra ‘amor’), em confiar em sua presença, em ter certeza que ele vale nosso amor.

Relacionando isso com o número ascendente de diagnósticos de depressão e síndrome do pânico, Bauman voltar ao conceito para defini-lo, se debruçando, primeiramente, no amor-próprio.

Amar o próximo como a ti mesmo

O autor diz que o amor-próprio é resultado de ser amado. Esta é uma relação infinita e incessante: quando o sujeito percebe que sua voz é ouvida, que sua opinião é importante ou que sua presença será sentida, ele entende que é único, especial e digno de amor. Só o outro pode dizer que somos dignos e amor, o que fazemos é reconhecer esta classificação.

Num processo de identificação com aquele que nos amou, também entendemos que a necessidade de amor existe nele (ou melhor, entendemos a sua singularidade). Nós nos amamos quando nosso ego se identifica com o outro e, desta forma, amamos a nós, merecedores de amor, e amamos o outro identificado.

É nesta relação que Bauman diz ser “amar ao próximo como ama a ti mesmo” a máxima que funda a moralidade. O instinto de preservação não é suficiente para a sobrevivência. É necessário haver uma instância moral atuando nas definições do eu e do outro para que haja uma relação humana que seja algo mais que uma relação puramente animal.

Entretanto, em uma sociedade de pura incerteza em relação ao outro, o amor nos é negado. É negado a dignidade de ser amado. Não há amor-próprio e não há injunções sociais que prescrevem o amor ao próximo, fazendo dele algo fundamental na vida em sociedade. Amar o próximo não é natural, é, na verdade, algo contra nossos instintos mais básicos: por isso é o ato fundador da moralidade.

Se nossas ferramentas de relacionamento estão engajadas com nossa época fluida e se as injunções/prescrições para amar ao próximo estão cada vez mais formais e estabelecidas por códigos penais, então o caminho da sociedade é a autodestruição após um longo definhamento. Fonte: Vinicius Siqueira

3.


Origens do Totalitarismo - Arendt, Hannah

Adoro os livros de Hannah Arendt pelo seu jeito de escrever, suas análises filosóficas e a profundidade de seu pensamento. Origens do Totalitarismo é uma de suas obras mais conhecidas. Como eu já li sua obra Eichmann em Jerusalém, percebi que Arendt domina como poucos o tema do antissemitismo. É justamente por essa questão que ela começa o livro. Não esperem que ela vá descrever toda a história da perseguição aos judeus desde a Antiguidade, pois ela não faz isso. O antissemitismo religioso que vigorou até o começo do século XIX foi substituído a partir da segunda metade daquele século por um antissemitismo político. Arendt se concentra em alguns países como a França, a Inglaterra, a Alemanha e a Áustria para demonstrar a evolução do sentimento antijudaico.

O judaísmo desde o fim do século XVIII vivia um tempo de relativa paz e estabilidade na Europa. O livro explica a influência dos banqueiros judeus nas cortes europeias e como eles ajudavam a financiar as campanhas militares das diferentes nações pouco se importando com o regime sob o qual viviam. A família Rothschild, de origem alemã, era o símbolo do judaísmo internacional que buscava a aceitação no círculo de poder do continente. Na verdade, Arendt acredita que esse judaísmo com o poder do início do século XIX era respeitado e permitia os judeus viverem com segurança; mas isso mudou no final daquele século, pois o crescimento do Estado-nação fragilizou o poder dos banqueiros judeus, uma vez que os líderes desses Estados buscaram novas fontes de financiamento, e a população cristã passou a hostilizar essa massa judaica que tinha dinheiro mas não o poder. Arendt crê que havia uma discriminação até entre os judeus, pois aqueles que já estavam assimilados, em especial na Prússia, não queriam dividir os benefícios de cidadania e educação que algumas regiões da Europa forneciam com os judeus vindos da Polônia e outras nações atrasadas.

O caso Dreyfus, na França merece uma explicação mais longa no livro. É um caso simples e complexo ao mesmo tempo. Simples porque desde o início ficou clara a inocência do oficial judeu; complexo porque demonstrou uma sinistra aliança da direita com o exército e o clero, na tentativa de conseguir maior influência na República com o objetivo de destruí-la. Arendt culpa os jesuítas pela insistência em se tentar condenar Dreyfus mesmo quando foi declarada a sua inocência, e os jornais católicos pela onda de antissemitismo que se espalhou por vários países por causa desse acontecimento. Dreyfus foi inocentado entre outros motivos pela atuação do escritor Émile Zola, e pelo oportunismo político do governo Francês que não queria ver a exposição universal de Paris em 1900 boicotada por vários países.

Hannah Arendt passa agora a fazer uma reflexão sobre o imperialismo, que ela imediatamente associa ao desejo capitalista por novos mercados, ao racismo e ao que ela considera como ” o último estágio da burguesia”. Quanto à busca do lucro, isso fica mais claro quando estudamos o caso inglês na Índia e na África, da mesma forma que os Bôeres, sendo que esses últimos eram uma espécie de parasitas da sociedade negra africana.

Hobbes é identificado por ela como o filósofo da burguesia e que foi aquele que baniu a moralidade da vida pública, restando à sociedade ser governada por um tirano que mistura a todo o momento questões públicas e privadas. A filosofia de Hobbes justifica a busca do governante por mais poderes com um movimento incessante de expansão às custas de outros Estados. Como diz Arendt, o filósofo inglês foi o verdadeiro defensor da burguesia, pois justicava a acumulação de riqueza por parte dessa última com a justificação de um rei absoluto que garantiria a propriedade e a expansão de capital e bens mesmo que em prejuízo de outras pessoas. Com essa filosofia absurda, todos aqueles que perseguiam à guerra como meio de expansão territorial e para acúmulo de riquezas tinham a partir de agora a desculpa de que isso representava a destruição de estruturas velhas e a chegada da , nas palavras de Arendt, ” última guerra que dê a todos os homens a vitória ou a morte.”

O imperialismo teve um aliado que muitos já haviam reconhecido antes de Arendt que é o racismo. O livro trata do racismo inglês, alemão e francês. O que é curioso é que o menos racista desses povos foi aquele que iniciou de certa forma todo esse conjunto de teorias falsas, no caso foi a França. Arendt lembra dessa situação paradoxal, ou seja, a nação que nos deu a declaração dos direitos do homem foi a que gerou o conde Gobineau. Esse talvez tenha sido o mais articulado dos teóricos do racismo, mas ele só foi ter influência real já no século XX. A França porém acreditava que poderia levar a civilization a todos os povos negros, o que não era o caso da Inglaterra. O século XVIII francês acreditava, segundo Tocqueville, “na variedade das raças, mas na unidade da espécie humana”. O racismo inglês e alemão podem mais facilmente ser associado a Charles Darwin e sua teoria evolucionista. Arendt menciona o pensamento racista e imperialista dos ingleses numa citação de Benjamim Disraeli: ” o grande homem é a personificação da raça, o seu exemplar seleto.” Outro racista e imperialista inglês declarou: ” o inglês é o Homem superior, e a história da Inglaterra é a história da sua evolução”.

No caso alemão, Arendt faz uma oposição entre o imperialismo ultramarino inglês e o imperialismo terrestre e continental alemão.O racismo e o imperialismo alemão têm mais em comum com a gnose marcionita, como demonstrou Alain Besançon, e que não é discutido pela teórica política alemã. Tanto o movimento político alemão quanto o eslavófilo possuíam em comum a profunda inveja que sentiam dos judeus como povo escolhido. Os alemães misturavam esse marcionismo redivivo com a noção da pureza da raça germânica; já os russos assumiam que sua nação era a escolhida por Deus para redimir uma Europa corrompida e secularizada. Ambos os casos tinham no antissemitismo um de seus motores.

A última parte do livro é sobre o totalitarismo, e foi nessa parte que eu achei que a autora cometeu um grande erro. Por exemplo: Arendt identifica o totalitarismo com as personalidades de Hitler e Stalin, opinião essa a qual eu não concordo. Ela ainda nega que a China de Mao seja totalitária ( e ela escreveu essa parte do livro em meados dos anos 1960, quando o totalitarismo chinês estava em seu auge), o que é inadmissível. O comunismo e o socialismo onde quer que sejam estabelecidos são totalitários, mas a autora, não sabemos por qual razão, não mencionou isso. Concordo, entretanto, com a atribuição da paternidade dos regimes nazista e comunista a Darwin e Marx. O primeiro achava que tinha encontrado o segredo da natureza; o segundo o segredo da história. Darwin atribuía o movimento à luta entre as espécies ( ou raças); Marx acreditava que o que movia à história era a luta de classes. Dessa luta tanto Darwin quanto Marx acreditavam que o melhor( raça ou classe) seria produzido. Arendt está certa quanto a classificar essas duas ideologias como ideologias do movimento. O líder precisa sempre estar em busca de inimigos tanto para exterminar( no nível interno) quanto para guerrear( no nível externo).

O livro é extenso e é essencial para todos os que querem compreender o fenômeno dos movimentos totalitários do século XX. Fonte: https://felipepimenta.com/



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

OPERADORES ARGUMENTATIVOS

Transitividade verbal

Implícitos e pressupostos